Veio a lume mais um estudo que demonstra os péssimos resultados que os alunos portugueses apresentam em disciplinas como Matemática, Português, Física e Química. Boas notícias! Isto mostra que a miudagem nacional tem os olhos abertos e está a viver a vida segundo os melhores princípios.
A escola teima em querer que os adolescentes sejam peritos em matérias escabrosas como as que são estudadas nas citadas disciplinas, em vez de os encaminhar para assuntos muito mais interessantes e necessários para o equilíbrio físico, psíquico e cultural de qualquer pessoa normal. Refiro-me, por exemplo, a Sexo, Culinária, Condução Automóvel ou Direito da Família. É inacreditável que a escola insista em pretender que as assíntotas de uma hipérbole ou a lei de Stefan-Boltzmann são coisas muito mais úteis a qualquer cidadão moderno do que saber cozinhar e comer de forma saudável, ou utilizar de forma eficaz os vários métodos anticoncepcionais.
Vejamos de forma um pouco mais detalhada o que se passa em Português. O Ministério da Educação e os professores desta disciplina têm feito, com indiscutível sucesso, um esforçado e sistemático trabalho de afastamento da criançada por tudo o que é o gosto e a verdadeira função comunicacional da língua portuguesa. Várias têm sido as medidas com vista a este objectivo, mas saliento as três que me parecem mais bem sucedidas.
Em primeiro lugar, os programas e as práticas lectivas insistem em evitar que os alunos pratiquem exaustivamente a leitura, a escrita e a fala. Em vez disso, é obrigatório que eles se entretenham tempos infinitos em actividades prodigiosas como dividir sintacticamente frases do tipo "a minha prima Isaura, que é mais velha do que eu, tem um vestido amarelo com bolas verdes".
De entre as várias medidas pedagógicas dos responsáveis pelo Português, sobressai também a primorosa escolha, para leitura, de obras literárias intragáveis como A Sibila ou o Memorial do Convento. Estas obras podem despertar um interesse enorme a certas pessoas habituadas a ler, mas são totalmente inadequadas para jovens cuja experiência literária, até aos 15-16 anos, se tem limitado às legendas das séries televisivas, aos SMS dos colegas de turma e às frases sobre a minha prima Isaura.
Na escola devia-se começar por abordar textos muito mais evidentes, mas não menos ricos de significância, como reportagens do jornal A Bola ou os textos da Tasca do Silva. Depois sim, era altura de abordar obras maiores e mais complexas. Em vez disso, espera-se que os alunos, que mal sabem caminhar, tenham, de repente, bons resultados na maratona.
Um terceiro facto, este verdadeiramente criminoso, é o desaproveitar de belíssimas obras como, por exemplo, Os Maias, tornando-as objecto de leitura por obrigação e não por devoção. Antes de enfronhar os alunos neste magnífico texto queiroziano, há que lhes abrir as mentes para um conjunto de coisas fundamentais que nele são descritas. Mas não. A táctica tem sido "preparar os alunos" para que estes saibam responder a perguntas idiotas que saem nos exames, como, por exemplo, quantas vezes arrotou João da Ega no jantar do Hotel Central ou quais são as referências ao realismo e à monarquia que existem ao longo de todo o texto.
Para ajudar os estudantes neste complicado puzzle, existem uns livrinhos que resumem a obra em oito esquemas e doze páginas de texto, focando as principais manias dos fazedores de exames. Ler o resumo orientado para as perguntas do exame em vez de ler o que realmente Eça escreveu é, assim, prática corrente entre os nossos alunos. Chegados ao exame, quem melhor leu os resumos maior nota tem. E mais contribui positivamente para as estatísticas sobre o sucesso da escolaridade portuguesa. E para o melhor posicionamento da sua escola nos tão pomposos como anedóticos rankings de qualidade.
Claro que ler o resumo em vez da obra é assim como que, em vez de ir passear às Ilhas Gregas, folhear os catálogos da agência de viagens e ver uns vídeos no Youtube com uma cantora pop em Santorini; em vez de saborear uma requintada salada de vegetais, queijo e ervas aromáticas, optar pela leitura da receita devidamente ilustrada com uma esplêndida fotografia de um tomate maduro. Mas, claro está, para quem manda no ensino e para que idolatra os rankings, isso são meros preciosismos.
Eu podia continuar a enunciar os restantes disparates do ensino do Português nas nossas escolas, mas lembrei-me agora que o leitor, a acreditar nas estatísticas, foi provavelmente um deficiente aluno nessa disciplina e não deve ter percebido patavina daquilo que eu escrevi até aqui. Por isso acho que não vale a pena eu escrever os restantes sessenta e quatro parágrafos sobre este tema. Vou antes fazer o jantar.