domingo, 15 de março de 2009

THE T-FILES - Encontros Imediatos do Grau Esquisito (final)


TRASEIRAS DA TASCA DO SILVA
SEGUNDA – 21H55

Tendo recuperado a sua autonomia de saídas nocturnas, Parménides surgiu com o seu saco de lixo e todos os que o aguardavam sustiveram a respiração. Não só pela ansiedade, mas também pelas tripas de peixe vagamente tóxicas contidas na embalagem.
E foi quando Parménides se preparava para largar no contentor aquela arma de destruição maciça sob a forma de saco de lixo, que o brilho verde voltou a surgir por detrás dos caixotes. No silêncio da noite, a luminescência daquele ser anunciava um momento de dimensão intangível, dificilmente contabilizável, mesmo pelos novos normativos internacionais. Silêncio esse, que pouco durou:
- Lá está ele! - ecoou na noite.
- O Parménides falava verdade...- disse outra voz -...é um ET!!!

Em pouco menos de nada, Parménides, o ecoponto e o ser de brilho verde estavam rodeados por uma multidão de habitantes do bairro, que tinha aguardado na penumbra a confirmação daquele momento. Assustado com a cena, a figura balbuciou:
- ...Viktor gostar de...Kristiano Runaldo?...
- Ele disse que gosta do Ronaldo! O gajo é panilhas!... - acusou alguém.
- Vamos-lhe ao focinho. Não queremos panilhas no bairro! - gritou histérica a drag-queen oficial daquela zona, temerosa da concorrência extra-planetária.
- Aaahhh...é um monstro...matem-no!...
- Todos para trás! - a voz firme era de Dana Scully, que, surgindo do nada, se interpôs entre a multidão em fúria e a atónita figura verde, apontando para ele a sua lanterna – É apenas um emigrante clandestino que estava aqui escondido...
- Aaahhh...é um emigrante clandestino...matem-no!...
- Parem imediatamente. - Dana sacou do coldre e elevou acima das cabeças a sua arma, provavelmente descarregada - Este cidadão está sob custódia do CIS e vai ser levado para interrogatório.
- Sim, sim, é um emigrante – desdenhou o Almerindo do salão de barbearia – Eu estive na guerra em Angola e na Guiné e sei bem o que é um emigrante, minha senhora. Nunca lá vi nenhum verde. Então o que é esse brilho à volta dele, hein?
- Este senhor, é Viktor Zarkov, um emigrante ilegal ucraniano e desapareceu quando o SEF se preparava para o deter e repatriar. Descobrimos depois que tinha andado a trabalhar na remodelação das instalações de uma tal madame Sissi, aqui no bairro, onde teve um acidente de trabalho ao montar um anúncio de néon para o estabelecimento. O anúncio quebrou-se, soltando o gás fréon que dava luminescência verde às letras, o que lhe contaminou o corpo, deixando-o com este brilho. Daí para cá, como nunca mais arranjou trabalho e vivia com medo de ser detido, passou a viver escondido de dia e a sair apenas à noite, para arranjar comida.
- Porra, afinal o gajo é um trabalhador, não podemos aviar nele... - lamentou-se um popular – Tem a certeza que ele não é panilhas?

Retornando ao lar, enquanto as suas pernas não cediam às emoções daquela noite, Parménides sentiu de novo um arrepio de frio pela coluna abaixo, ao reparar que, encostada a um canto escuro, uma figura estranha, semelhante a um peluche algo atarracado, irradiava uma aura em tons de verde, como que um brilho que acompanhava todo o corpo, simultâneamente atraente e repulsivo, e que tinha numa das extremidades do corpo, um membro que balouçava em rápidos e incisivos movimentos.
E então, a criatura emitiu som.

De uma voz grave, rouca e não humana, saiu um som arrastado:
- Aaauuu...
O cérebro de Parménides perdeu o controlo sobre o seu corpo e a razão cedeu lugar à emoção. O seu coração disparou a ordem, a bexiga aliviou-se e as pernas desataram a correr o mais rápido que podiam a caminho de casa, deixando para trás aquele cão verde, que trazia na coleira uma placa com os dizeres “Я належу до Віктора Zarkov. Якщо я вважаю, повертається до господаря ”, em português, “Pertenço a Viktor Zarkov. Se me encontrares, devolve-me ao dono”.

segunda-feira, 9 de março de 2009

O Clube dos Contadores de Histórias

O Clube dos Contadores de Histórias é uma actividade desenvolvida na Escola S/3 Daniel Faria, de Baltar. Todas as semanas é publicada uma pequena história com intuitos pedagógicos, que pode ser recebida em correio electrónico. Esta actividade pode também ser seguida em http://www.prof2000.pt/users/historias/

São histórias simples, mas que nos levam à reflexão sobre valores essenciais da vida humana. A título de exemplo, aqui fica a história da passada semana.

Apenas um rapaz

Era uma vez um rapaz bravio que gostava de pregar partidas e fazer matulices, só por embirração. Era muito antipático este rapaz.
Mas emendou-se. Eu conto como foi.
Um dia, por maldade, deu-lhe na veneta atormentar uma pobre velhota, que vivia numa casinha pobre, à beira do povoado. Foi para uma pedreira que havia perto e pôs-se a atirar pedras e a rebolar pedregulhos, que iam cair no quintal da velhota. Para o que lhe havia de dar!?
No fim do seu feito, já cansado, aproximou-se da casa da velhinha, para ver de perto os resultados da sua proeza. Andava a velhinha a recolher as pedras, espalhadas pelo quintal.
— Foi uma bênção que me caiu do céu — dizia a velhinha. — Precisava, há que tempos, de consertar o muro do quintal, mas não tinha forças para trazer tantas pedras. Se não fosse esta avalanche...
O rapaz ficou de boca aberta. E mais sem fala ficou quando a velhinha lhe propôs:
— Bom rapazinho, importas-te de me ajudar a consertar o muro?
Ele, que tinha de fazer de conta que era um bom rapazinho, não teve outro remédio. Passou o resto do dia a acartar pedras, as pedras que ele lançara do alto do monte.
No fim da tarefa, a velhota agradeceu-lhe o trabalho e deu-lhe um grande boião de mel. O rapaz lá se foi, cansado e a lamber os beiços, um tanto confundido. À noite, quando se deitou, estava cá com uma dor nas costas, que não lhes digo nada! Mas regalado com o mel que a velhinha lhe dera.
Ora pois! Serviu-lhe de emenda. Mudou de intenções. Não posso garantir se, dessa vez em diante, nunca mais pregou partidas. Um diabinho não se transforma de repente num santinho. É exigir demais. Mas, na verdade, deixou-se de brincadeiras tolas.
Sem que possa ser considerado um virtuoso rapazinho, também já não é um venenoso rapazote. Nem rapazinho, nem rapazote. Apenas um rapaz. Nem muito mau, nem muito bom. Como quase toda a gente, aliás.

António Torrado

domingo, 8 de março de 2009

Coisas que não são o que são

As coisas são o que são. Mas há excepções. Há coisas que não são o que nós dizemos que elas são. Não estou a referir-me a ilusões de óptica ou a outros erros de perspectiva. Há coisas que toda a gente vê que são uma coisa, mas diz descaradamente que é outra.

Um dos meus exemplos preferidos são os recibos verdes. Toda a gente fala nos recibos verdes e toda a gente sabe que se trata daqueles recibos de cor verde que os profissionais liberais passam. O senhor doutor, o senhor engenheiro, o senhor arquitecto... todos eles passam recibos verdes. Há quem passe recibos verdes indevidamente, mas isso é outra história.

O recibo verde tem três características fundamentais. A primeira é que se trata de um recibo. A segunda é que é verde. A terceira é que é azul.

O azul é a cor oficial do IRS. Por isso os recibos são azuis. Os verdes, claro.

Uma pesquisa no Google por "recibo verde" nas páginas de Portugal indica que existem cerca de 27.900 páginas com esta expressão. A pesquisa por "recibo azul" encontra apenas cerca de 85. Mais significativo não podia ser. Os recibos azuis praticamente não existem, apesar de diariamente serem passados centenas deles. Por sua vez, os recibos verdes vêem-se por todo o lado, apesar de não existirem.

Através deste exemplo podemos compreender que, se as coisas são o que são, há coisas que não são o que nós dizemos que elas são. Provavelmente o leitor estará neste momento a perceber finalmente alguns mistérios relacionados com justiça, liberdade, democracia, futebol, televisão, jornais, emprego, sexo, educação, clima, preços, comércio, religião, arte, viagens, saúde, leis, hábitos, instituições, electrodomésticos e coisas assim.

Cascata e laranjal

Aqui, acabei por não mostrar as cascatas. Há dias voltei lá. Desta vez achei que esta imagem merecia ser postada.


Já agora, o laranjal: