segunda-feira, 29 de junho de 2009

Morrer

O ar é forte, quente, a paisagem ampla, nenhuma vegetação, apenas terra, de um amarelo que se prolonga quase pelo céu. Atrás de nós vai-se formando uma nuvem de pó que os cascos dos cavalos levantam a cada galope rápido, em fuga dos nossos perseguidores, os índios, eles também montados em cavalos, soltando ruidosos gritos de guerra. De repente sinto uma dor forte nas costas, apercebo-me que fui atingido por uma flecha e caio. O som ruidoso do momento é substituído por um silêncio absoluto, não me consigo mexer, não vejo nada, não me apercebo de qualquer movimento em meu redor. Interrogo-me se morri, se é esta a sensação de estar morto. Acho estranho, porque me sinto tão bem, tão relaxado, mas incomoda-me sentir-me imóvel. Estou de barriga para baixo, completamente colado ao chão, como se os meus músculos tivessem congelado naquela posição. No entanto, aos poucos, com grande dificuldade, vou abrindo os olhos, ofuscados por uma luz brilhante que apenas me deixa perceber que há um enorme borrão vermelho à minha frente. Parece-me que ouço algo. Sim, uma voz feminina repete com insistência qualquer coisa que não percebo, ainda que me soe familiar. A voz vai-se tornando mais nítida e então, finalmente compreendo:
- João acorda, despacha-te, olha que vais chegar atrasado à escola!

sábado, 27 de junho de 2009

Ressurreição

No final da década de 1880, o compositor Gustav Mahler (1860-1911) encontrava-se dividido entre a música sinfónica abstracta e a música com programa extramusical. Da primeira tendência eram exemplos maiores as obras dos grandes sinfonistas contemporâneos Johannes Brahms (1833-1897) e Anton Bruckner (1824-1896); da segunda salientavam-se os poemas sinfónicos de Franz Liszt (1811-1886) e Richard Strauss (1864-1949), bem como a música essencialmente teatral de Richard Wagner (1813-1883) . A resposta de Mahler foi híbrida — combinou a forma clássica da sinfonia com um inequívoco programa, daí resultando a Sinfonia n.º 2, conhecida por "Ressurreição".

Em 1888, Mahler tinha concluído uma grande obra orquestral num único andamento, a que começou por chamar "Sinfonia em Dó menor" mas depois mudou o nome para "Pompas Fúnebres". Este poema sinfónico, no entanto, acabaria por constituir o primeiro andamento da Segunda Sinfonia, concluída em 1894. Para além de vários indícios, os elementos extramusicais nesta sinfonia decorrem directamente do texto cantado (a obra inclui coro misto, um soprano e um contralto) e de uma "nota de apresentação" escrita em 1901 pelo próprio compositor. Assim, de forma clara, a sinfonia opõe a marcha fúnebre do primeiro andamento à ideia de ressurreição no quinto andamento.

A entrada do coro misto nos últimos minutos da obra dá início a uma das mais emocionantes sequências musicais da História da Música. Diz a "nota de apresentação" a este respeito: Ouve-se então o som suave de um coro de santos e hóspedes celestes: "Levantar-te de novo, sim, levantar-te de novo irás". Depois aparece Deus em toda a sua glória. (...) Um sentimento de amor avassalador imbui-nos da graça de saber e ser.

É sempre empolgante assistir a este final da sinfonia, mas há uma gravação com Leonard Bernstein a dirigir que é verdadeiramente impressionante. O clímax da obra acontece quando o coro canta duas vezes a frase "Sterben werd'ich, um zu leben!" — "Morrerei para poder viver" (no vídeo, a partir de 0:49) e a música encontra, finalmente, a tónica Mi bemol (aos 1:22). A partir daqui a imagem mostra o maestro em grande emoção a cantar os versos finais:

Aufersteh'n, ja aufersteh'n (Ressuscitar, sim, ressuscitar)
wirst du, mein Herz, in einem Nu! (Ressuscitarás, meu coração, num instante!)
Was du geschlagen zu Gott wird es dich tragen! (Aquilo que sofreste levar-te-á a Deus!)

TDS-TV… A única feita para você!

Eu sei, já lá vai muito tempo desde a primeira emissão, mas que querem? – Esta não é propriamente uma estação generalista, ok?! Vão-se habituando à ideia, pois a gente trabalha por carolice e NUNCA a troco de contrapartidas financeiras, ou até favores sexuais, uma vez que nem sequer temos pivots do sexo feminino com lábios carnudos, que mais parecem cópias fieis daqueles das bonecas insufláveis, os quais se adaptam a qualquer forma e tamanho (ouvi dizer).

No entanto, porque nestes últimos dias os tais generalistas passam a vida a falar da morte daquele rato de laboratório... sabeis?… aquele, o Mic…, o Mic…, o Mic…, bem, não é o “Mickey”, mas anda por ali perto e agora não me lembro ao certo do nome. Dizia eu que sentimos assim a necessidade de vos livrar desse martírio, razão porque aceleramos (a velocidade cruzeiro… daqueles do Douro) para a segunda emissão desse canal já considerado de culto (ou será do oculto?), a “TDS-TV”.

Ora façam o favor de apreciar:

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Boas razões para estudar

Estudar — e refiro-me a estudar mesmo e não a frequentar uma escola — estudar já esteve na moda aqui há uns largos anos. Depois virou uma seca do tamanho de um comboio. Porém, tudo indica que a rapaziada está agora a inverter a tendência e a voltar ao estudo das matérias escolares. Efectuei uma rápida investigação e conclui que razões não faltam para esta nova atitude. Aqui ficam as que mais me impressionaram:

Ser diferente – A vida está uma pasmaceira cada vez mais monótona. Fumar uns cigarros é uma tradição foleira do tempo do teu bisavô; emborcar uns shots é demasiado déjà-vu; ter "actividades" nos tempos livres é ridiculamente snob; frequentar o messenger, qualquer idiota o faz. Não haverá por aí nada de inovador que pouca gente faça? Há, sim — estudar.

Chatear os pais – Eis uma boa maneira, fácil e divertida, de chatear os velhos. Eles querem que tu estudes Economia, tu estudas Matemática. Eles querem que estudes Física, tu estudas Português. Só para chatear.

Chatear os profes – Se estudares a sério, facilmente ficarás a saber mais do que vários dos teus professores. Depois é só estares atento às calinadas que eles dão e chateias-lhes as monas, abafando-os com a tua erudição. Por exemplo, repreendes a professora de Física, informando-a que ela não deve dizer "duzentas gramas" mas sim "duzentos gramas", pois "grama é uma unidade de medida de massa que, gramaticalmente, é um substantivo do género masculino".

Deslumbrar o pessoal – As pitas adoram gajos cultos e eles ficam doidos com a inteligência delas. Para impressionar a sério, nada melhor do que largar espontaneamente no meio de uma conversa a frase final da página 32 de um manual qualquer. Ou o início da página 88. Aliás, qualquer página serve, por isso quantas mais páginas souberes, mais impressionante se torna a coisa. Um puto meu vizinho confidenciou-me que engatou a mais espectacular namorada que algum dia teve citando a página 190 do livro de Inglês:

1. I was _________ when my colleague told me he was going to Greece for two weeks.
2. John arrived completely ___________. I wasn't expecting him.

domingo, 21 de junho de 2009

Quibe assado

Bulgur são sementes de trigo parcialmente cozidas e esmagadas que se utilizam na confecção de diversos pratos tradicionais do Médio Oriente, especialmente o quibe. Quibe é uma espécie de croquete feito com carne picada misturada com bulgur. Tenho encontrado bulgur à venda no hipemercado Jumbo.

Há tempos vi e experimentei uma variante muito interessante, que consiste em levar a mistura a assar, em vez de fritar. Mas, como não aprecio muito o sabor da hortelã e achei que a canela não combinava bem, resolvi fazer as minhas próprias experiências. Fica bem com diferentes misturas de ervas aromáticas e fica ainda melhor com especiarias diversas. A minha versão preferida é a seguinte, receita para 4 ou 5 pessoas:

Colocar 250 g de bulgur numa tigela e misturar água a ferver até ficar com cerca de 1 cm de água acima do cereal. Tapar com um pano e reservar durante meia hora. Ao fim deste tempo o bulgur absorveu toda a água e aumentou de volume.

Misturar bem 1 cebola picada, 1 pimento verde picado, 1 malagueta picada, 1 ramo de salsa picada, 1 colher de chá de coentros em pó, meia colher de chá de cominhos, 2 cravinhos esmagados num almofariz, uma pitada de pimenta, uma pitada de noz moscada, 2 colheres de sopa de azeite e sal. Juntar depois 500 g de carne de vitela e o bulgur demolhado, misturando tudo muito bem com as mãos. Finalmente juntar 1 ovo.

Barrar uma assadeira com manteiga e espalhar a mistura, de forma que fique com cerca de 3 cm de altura. Com uma faca, fazer vários cortes paralelos e perpendiculares na mistura, em toda a sua altura (os cortes permitem depois empratar o quibe dividido em paralelepípedos). Assar no forno a 190º durante 35 minutos. Servir com salada de tomate.

sábado, 20 de junho de 2009

E depois do adeus

Tenho para mim que o melhor português é aquele que vive no seu país e não propriamente aquele que passou anos a trabalhar lá fora e que depois regressa, quando regressa, já entradote na idade e que apenas cá vem para fazer uso do bocado de terra que em tempos comprou no cemitério lá da aldeia (quer dizer, às vezes não só compram o bocado de terra, como também lá constroem uma "petite maison" com “fenêtres” e tudo).

Também há aqueles que vão lá para fora para estudar e que acabam por lá ficar a trabalhar, porque, segundo a maioria deles, em Portugal não lhes são facultados os meios para desenvolverem a profissão de que gostam.

Sobre estes últimos, vi há dias uma reportagem, salvo erro na “RTP”, onde foram entrevistados uma série de indivíduos portugueses a estudar e a trabalhar nos Estados Unidos, sendo que de entre todos chamou-me mais atenção uma menina que estava a fazer um doutoramento em CLARINETE.

Dizia tal menina que lá é que era – tudo pago, quando cá em Portugal nada disso conseguia!

Pois bem minha menina, do que você não saberá, é que enquanto a si facultam uma bolsa para tocar um instrumento, outros há no seu país de acolhimento que se vêem desgraçados para ter acesso a cuidados médicos. Para que tenha uma ideia, aqueles de quem falei já estão na casa dos CINQUENTA MILHÕES, enquanto que em Portugal, mesmo aquelas que, entre outras habilidades, tocam “pífaro de cacela”, têm acesso a esses serviços (se bem que com muitas falhas ainda), sem que para isso tenham de possuir um seguro de saúde.

Eu próprio já estive a um pequeníssimo passo de emigrar, não fossem uns acontecimentos anormais que me impediram de dar tal passo. Caso o tivesse feito, o meu intuito era unicamente o de amealhar umas coroas, que me permitissem regressar o quanto antes ao meu país e poder prosseguir com os meus projectos, quer pessoais/familiares, quer profissionais. Não fui e provavelmente já não irei, a não ser que entretanto vocês, os crânios (aqueles que até são condecorados pelo Sr. PR), inventem uma maquineta que retarde a velhice.

O que eu acho, é que é muito triste ver gente que para justificar o seu passo, tenham de denegrir a imagem do seu país de origem!

Para esses, não obstante a minha opinião, apenas lhes desejo que a sua consciência não se transforme num calvário e por isso até lhes dedico uma música que acaba assim - "E depois do amor/E depois de nós/O adeus/O ficarmos sós"… Se bem que toda a letra é sintomática do que um dia vos pode acontecer:

terça-feira, 16 de junho de 2009

24 - Operação Moelas (III)



Em redor do balcão da tasca estava montado o quartel-general da operação “moelas”, com o Silva envergando o seu avental de situações de crise (com várias nódoas de Borba e Vidigueira), Cátia Vanessa, a sua diligente colaboradora, o inspector Agostinho, Jack Bauer, o cobrador da água e, um pouco mais à margem, Parménides Juvenal, jovem de boas famílias, morador no bairro e que aguardava vez para ser aviado na encomenda de um litro de vinho tinto, que sua mãe usaria para o coelho à caçador do jantar.

- Potenciais suspeitos? - perguntou Bauer, enquanto vestia o seu colete de intervenção, cujos bolsos estavam recheados de sprays de gás lacrimogéneo, cartuchos de munições 6.35, granadas de defesa pessoal e folhas avulsas de papel higiénico dupla-face.
- Tenho ouvido uns rumores sobre a instalação de um fast-food aqui no bairro... - avançou o Silva ainda meio atarantado com tudo aquilo. - Talvez seja uma forma de demarcar território e assustar a concorrência.
- Não creio, - disse o inspector – isto é claramente um ataque político ao dr. Aníbal Silva. Não é segredo para ninguém que as moelas do Silva não são umas moelas normais e muito das hipóteses de reeleição do presidente da junta passam por este evento com as forças vivas do bairro e com a imprensa adversa que lhe faz oposição. Não me admiraria que houvesse aqui dedo político da oposição ao PITA, ou mesmo uma manobra suja da gazeta do bairro.
- Sr. Silva, - interrompeu Parménides – eu não queria incomodar, mas precisava do vinho para o coelho à caçador...
- Ó rapaz, vai ali ao fundo e tira do pipo, que eu agora não te posso atender.
Parménides Juvenal dirigiu-se aos bastidores da tasca, onde repousava um pipo de carrascão mais indigesto, geralmente reservado para os cozinhados. Por sinal, o mesmo local onde o Silva tinha sido atacado pelos assaltantes aquando do roubo da receita que impedia agora o presidencial evento.
- O sr. Silva tem de lavar mais vezes este chão, que até já se cola às solas dos sapatos.

Algum género de gatilho disparou no cérebro de Jack Bauer, que correu para a sala dos fundos, seguido pelos outros.
- Pegadas! - disse ele, apontando para o chão onde se viam os rastos dos assaltantes, conservados numa espécie de matéria viscosa que os mantinha perceptíveis, em direcção à porta das traseiras da tasca e, como em breve se perceberia, pela rua abaixo no caminho de fuga dos meliantes.
- Mas que coisa é esta? - perguntou o inspector Agostinho, sentindo o visco entre o polegar e o indicador.
- Não há tempo a perder. - resoluto, Bauer agarrou em Parménides Juvenal que estava mesmo a seu lado – Tu, vem comigo, preciso de apoio, vamos seguir esta pista antes que desapareça.
Os dois saíram da tasca a correr, Bauer empunhando a sua Sig Sauer P226, Parménides segurando a garrafa de tinto. No interior da tasca, iniciava funções a “tasca-force” da operação “Moelas”. O inspector Agostinho lambia várias amostras viscosas para identificar a estranha substância. O Silva pegava na esfregona para limpar os mosaicos. O cobrador da água continuava à espera que lhe indicassem onde era o contador.
Cátia Vanessa, ao telefone público de moedas que estava no balcão, marcava nervosamente um número.

sábado, 13 de junho de 2009

O Mergulho

Costumava ao acordar sentir a sensação de um mergulho. Alongava cada pedaço de mim num espreguiçar lento enquanto saboreava na imaginação o gosto de me lançar de cabeça na água, sentir-me leve, sentir-me envolvida pela água, pelo som náutico, como se aquele momento me permitisse nascer com ânimo renovado para aquele dia que começava.

Na piscina observava cada mergulho dos outros com alguma ansiedade de o vir a fazer também. Perguntava-me porque a monitora nunca nos tinha colocado em fila para mergulhar, tal como faziam com as crianças mais pequenas. E o quanto elas se divertiam…

Resolvi naquele dia colocar-me de pé na berma da piscina, imaginando-me a fazer os gestos que via outros fazerem, alinhando as mãos em frente ao peito, e lançar-me após o impulso que me faria desligar do chão, permitindo-me a sensação há tanto sonhada. A monitora reparou em mim e, adivinhando a minha intenção, colocou um sorriso enorme de incentivo para eu o fazer, acenando que sim com a cabeça. Sem pensar, atirei-me!

A leveza da água desaparece, sinto-me embater numa dureza estilhaçante. A água arde no corpo e sinto-me pesada. Não percebo… Ao regressar à tona da água olho a expressão frustrada da monitora, que sem grande entusiasmo pergunta se quero tentar de novo. Não o faço, disfarçando o meu próprio desapontamento.

Perdi o sonho, aquele que ao acordar me trazia uma envolvência única. Ganhei um novo ensinamento, refrescante ainda assim. Temos de perceber o quanto de realidade existe nos nossos sonhos, se os pretendermos concretizar.

Scarborough Fair

Per-Olov Kindgren toca Scarborough Fair.




European Jazz Trio toca Scarborough Fair.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Novas tecnologias, antigos disparates

A minha declaração modelo 3 de IRS de 2008 foi "seleccionada para análise" pela administração fiscal devido à existência de "divergências". E essas divergências verificam-se porque os valores declarados nos campos 403 (rendimentos facturados) e 701 (rendimentos recebidos com retenção) não são iguais.

No site da Internet das declarações electrónicas podemos consultar a informação destas "divergências" pois a DGCI disponibiliza uma "Consulta às Irregularidades", sendo que, com vista a "simplificar e agilizar o cumprimento das obrigações fiscais", é facultado um quadro com os "DADOS DA SITUAÇÃO IRREGULAR".

A administração fiscal tem dúvidas e precisa, por favor e agradecendo, que o contribuinte dê esclarecimentos? Não, senhor. À administração fiscal só é admissível que tenha certezas de que há irregularidades. A administração fiscal não pede - exige. A administração fiscal não agradece - ameaça. Não há meio de se alterar este posicionamento radical, sobranceiro, negativista e desconfiado, ou até mesmo ofensivo, em relação a tudo o que o contribuinte faz.

E, pelos vistos, ainda ninguém por aquelas bandas se convenceu que nestes dois campos são declaradas coisas diferentes. Parece que, afinal, quem tem razão são o senhor engenheiro e o senhor advogado que só reconhecem o rendimento depois da grana ter batido no bolso. Irra!!!

A página das declarações electrónicas possibilita um formulário para enviar uma justificação. As novas tecnologias da informação são uma coisa muito linda! Mas há uma pequena exigência: a resposta tem de ser dada em 600 caracteres, o equivalente a sete linhas de texto em folha A4.

Decerto que a razão de ser desta limitação não é um problema de capacidade de armazenamento informático. Eu imagino é que, na administração fiscal, o pessoal não goste muito de ler. Principalmente ler justificações que mostram que, afinal, a obrigação fiscal foi devidamente cumprida e só há irregularidades nas cabeças de camarão dos responsáveis por esta porra.