sábado, 31 de outubro de 2009

Realidades

I.
Brinco só no meu quarto, alheia aos brinquedos, embrenhada na imaginação, que me leva a um mundo que me parece tão real, e tão mais interessante que este onde vivo. A minha mãe vem ter comigo e diz-me que vão ao café, ela e o meu pai. Parece-me indiferente esta indicação, mas assim que oiço o fechar da porta uma sensação de satisfação invade-me. Só, nesta casa com tantos recantos e objectos escondidos que nunca vi. Dirijo-me então aos locais da casa geralmente “proibidos” a brincadeiras, e exploro, cada gaveta, cada armário, por baixo da cama, em cima da cómoda, tudo o que me é normalmente vedado tocar, está agora à minha disposição. Fechada em casa, totalmente livre, dona do momento.

II.
Desde que vi aquele olhar vivo e brilhante dirigido a mim ao abrir aquela caixa, nunca mais tive sossego. Aterrorizava-me saber que naquele armário, na casa onde me encontrava, onde tinha de comer e dormir todos os dias, se encontrava aquilo, aquele olhar, aquele olho de uma vivacidade que parecia querer hipnotizar-me de tal forma que me fitava. Tinha de me livrar deste terror que se instalara em mim desde o dia daquela descoberta. Assim que me vi de novo sozinha em casa, e sem pensar, dirigi-me ao armário e retirei do fundo do mesmo aquela pequena caixa de metal com fotos antigas e documentos amarelados, retirando dentro dela, com a ajuda de um lenço e sem olhar, o motivo do meu medo, e deitei de imediato no lixo. Sensação de alívio. Finalmente livre daquele olhar que me atormentava.

III.
O meu pai sempre gostou de falar dos seus antepassados. De gente que nunca conheci, e da qual me tenta mostrar orgulhoso em esquema quem é quem, que parentesco tem de quem, nomes, locais, e muita coisa à qual tento mostrar-me interessada, mas à qual não consigo encontrar entusiasmo para apreciar. No meio da conversa oiço algo de alguém que tinha um olho de vidro. Um pânico interior gera-se em mim, como se algo gelado me percorresse o corpo por dentro à medida que tomo consciência da situação. Apercebo-me do meu acto impensado. Naquela caixa que continha recordações de antepassados, havia um pequeno objecto que tinha pertencido a alguém, que alguém pretendeu guardar, que tinha um valor muito especial para alguém. Aquele objecto cujo realismo me tinha assustado, por isso mesmo, por ser sua intenção ser o mais real possível, era uma peça guardada por motivos que agora me eram claros. Peça que… desapareceu!

24 - Operação Moelas (IX)...sim, está quase...



Moça roliça, porém resoluta, Cátia Vanessa decidiu que não seria um qualquer mal-encarado que a impediria de voltar à liberdade na companhia do seu Bigodes, pelo que, surpreendentemente até para si própria, pregou uma valente lambada no indivíduo, semelhante às que fornecia aos clientes do Silva quando se faziam esquisitos para pagar a despesa, suficiente para que o marroquino, por um lado, perdesse 2 dentes e uma lente de contacto, mas por outro, ganhasse um hematoma tamanho familiar no olho esquerdo e uma contusão ao bater com a cabeça num bidon, que o colocou fora do caminho.

Os dois fugitivos escaparam dali o mais depressa que puderam e Cátia deu a mão a Parménides para que passassem o umbral da saída. Juvenal corou, mas até hoje não foi possível apurar se isso se deveu à experiência carnal ou à excitação da corrida. Já no exterior, olhando em ambos os sentidos, não viram Jack em lado nenhum.
De repente, surgindo a grande velocidade, uma carrinha frigorífica branca, com letras vermelhas na carroçaria a dizer “Talhos Dona Rosa-A Chicha Mais Saborosa”, tentou dobrar a esquina sob o protesto dos pneus, que guincharam no pavimento até o veículo se imobilizar à frente dos dois. A janela do condutor desceu e dentro da cabine surgiu a cabeça de Bauer, que gritou:

- Subam! Não temos tempo a perder!
Passageiros acomodados, de novo chiaram os pneus quando Bauer pisou o acelerador, a caminho da tasca.
- Onde é que arranjou este transporte? - perguntou Cátia Vanessa, segurando o seu gato enquanto deslizava no banco corrido, após mais uma curva brusca.
- Quando estava no armazém, vi passar o reboque da polícia com ela atrelada, pelos vistos estava mal estacionada, e percebi que estava aqui a nossa hipótese de salvar o Silva.
- Deixe-me ver se percebi, a polícia autuou um veículo, ía a rebocá-lo e você foi lá pedi-lo emprestado?!
- Disse-lhes que era um assunto de segurança nacional...e pedi por favor.
- E eles entregaram o veículo? - perguntou Parménides a caminho do enjoo.
Bauer olhou pelo retrovisor e vislumbrou dois grupos de sirenes que, lá ao fundo, ganhavam terreno na perseguição à carrinha frigorífica.
- ...uhn, não exactamente!

Calcou de novo o acelerador e atravessou em linha recta um cruzamento com a destreza de um condutor indiano na hora de ponta em Bombaim, a mesma destreza que os outros condutores não tiveram, pois ouviram-se várias travagens prolongadas que acabavam com o som de metal a bater.
- Ouçam,- disse Bauer conferindo novamente o retrovisor e verificando que já meia divisão policial seguia no seu encalço – esta carrinha tem a solução. Lá atrás temos vários quilos de moelas, temos a receita, portanto, podemos prepará-las para que cheguem à tasca precisamente ao meio dia, quando começar o evento!
- Preparar as moelas onde? Aqui dentro, não? - interrogou Cátia Vanessa.
- Sim. Não se preocupem, eu tenho um plano.
- Eu também tenho um plano... poupança-reforma, mas só lhe posso mexer aos 65 anos e quero lá chegar viva! É a ideia mais estapafúrdia que já ouvi na minha vida, e mesmo que fosse possível, como as iremos fazer? Pois se a receita é secreta, não é suposto que a possamos ler...
- Ouça, não sei se o Parménides sabe cozinhar ou não, mas eu não sei, portanto o futuro da tasca está nas suas mãos. E não se esqueça do seu papel nisto tudo...ninguém tem de saber, entende?...Eu só quero sossego, posso esquecer-me de contar ao Silva se tiver, digamos, alguém que me lave os cortinados uma vez por ano. O que me diz?

Vanessa meditou e no seu íntimo soube que era a oportunidade ideal para se redimir do apoio que tinha dado ao plano de Al Mufada.
- Ok, eu faço as moelas – assumiu, não sem sentir um nó na garganta, enquanto pegava no papel da receita das moelas à Silva, com o cuidado devido a uma relíquia bizantina.
Em breve, pela primeira vez, alguém fora da linhagem Silva desvendaria um segredo com anos de história, de mistério, de suor, lágrimas e dores de barriga, algo que muitos tinham tentado alcançar sem conseguir. O nervosismo e a responsabilidade fizeram-lhe tremer as mãos, quando Cátia começou a ler o papel:
- Ingredientes...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Tasqueiros e bastonários


A propósito disto aqui, lembrei-me desta história:

Uma empresa entendeu que estava na hora de mudar o estilo de gestão e contratou um novo Director. Este veio determinado a agitar as bases e tornar a empresa mais produtiva.

No primeiro dia, acompanhado dos principais directores e coordenadores, fez uma inspecção a toda a empresa. No armazém todos estavam a trabalhar, mas um rapaz novo estava encostado à parede com as mãos nos bolsos.

Vendo aí uma boa oportunidade de demonstrar a sua nova filosofia de trabalho, o novo director geral perguntou ao rapaz:

- Quanto é que ganha por mês?

- Trezentos euros, porquê? - respondeu o rapaz sem saber do que se tratava.

O administrador tirou os EUR 300,00 do bolso e deu ao rapaz, dizendo:

- Aqui está o seu salário deste mês. Agora desapareça e não volte nunca mais! Esta empresa não tem lugar para si!

O rapaz guardou o dinheiro e saiu conforme as ordens recebidas.

O administrador, então, encheu o peito e, orgulhoso da atitude que serviria de exemplo, pergunta ao grupo de operários:

- Algum de vocês sabe o que este sujeito fazia aqui?

- Sim Senhor - responderam admirados os operários - Veio entregar uma pizza...



MORAL DA HISTÓRIA:

"Há pessoas que desejam tanto mandar, que se esquecem de pensar"

domingo, 11 de outubro de 2009

24 - Operação Moelas (VIII)


- Então – concluiu Bauer após ouvir as explicações de Cátia Vanessa – quer dizer que isto é uma questão de concorrência, não tem ligações políticas?
- Claro que tem ligações políticas, sr Bauer! - disse um indivíduo alto e moreno, saindo da penumbra, juntamente com dois capangas armados – Quem é que pensa que vai financiar toda a campanha de reeleição de Aníbal Silva? Não se iluda, sr Bauer, tudo na vida é política e o encerramento da tasca do Silva é apenas um meio para atingirmos os nossos fins, assim também glorificando Alá. Palavra de Saihd.
- Mas isso não é justo! - argumentou Parménides.
- Cala-te infiel! Justo é o elástico das cuecas da tua mãe impura.
Parménides pensou que o indivíduo estivesse a falar com alguém fora do seu campo de visão, pois ele não se chamava infiel e sua mãe era uma senhora de bem que usava cintas adelgaçantes e não cuecas apertadas.

Bauer tentou soltar uma das mãos e, ao tentar, deu com o bolso traseiro de Parménides, onde repousava um inocente corta-unhas, que nas mãos treinadas do ex-agente, em breve se transformaria numa horrível e eficiente máquina de morte. Jogando tudo na psicologia, segundo a escola de pensamento de José Mourinho, Bauer tentou ganhar tempo:
- E o plano do Sheik Al Mufada é?...
Orgulhoso por poder mostrar a sua superioridade aos ocidentais, Saihd sorriu com desdém:
- Digamos que o Sheik está seguro que o presidente Silva vai ganhar e que também está seguro que, depois da reunião intermediada pelo primo do presidente, este não se irá opôr a dar um parecer positivo à construção de um shopping nos terrenos, actualmente considerados zona verde, do jardim Arqº Carrapatoso, a partir do qual estenderá uma rede de franchising de restaurantes de caracóis, permitindo branquear outras receitas...
Inebriado pelo seu próprio relato, Saihd não reparou que Bauer tinha sacado o corta-unhas de Parménides. Também não reparou que a lâmina do instrumento tinha dilacerado a corda que lhe prendia os pulsos. Nem reparou que Bauer tinha desembainhado a lima das unhas e contraído os músculos, num momento de concentração que antecedeu a tempestade.
Quando reparou, foi tarde.

Foram não mais de 30 segundos, onde parecia que o mundo tinha parado a sua rotação e a vida interrompido o seu curso, à excepção dos rápidos movimentos de Jack Bauer que provavam a razão de Einstein dizer que espaço e tempo eram relativos. Em menos tempo que leva o Ronaldo a trocar de namorada, Jack jogou-se para a frente, rebolando sobre si mesmo e retirando as amarras que seguravam as suas pernas à cadeira. Com o balanço, jogou o assento contra a cara do rufia à sua frente, o qual caiu inanimado de encontro a um tanque de decantação de caracóis, o qual tombou directamente no pavimento vários litros de baba dos animais.
Impulsionando-se como uma mola, Bauer jogou o seu peso para a frente e deslizou sobre a baba como de fizesse body-board, apanhando desprevenido o segundo vigilante, ao cortar-lhe a veia jugular com a lima do corta-unhas ao mesmo tempo que caía sobre Saihd, com o seu punho esquerdo a estabelecer contacto directo com o maxilar direito do marroquino.

Após colocar o seu adversário nos braços de Morfeu, correu a libertar Cátia Vanessa, que fez o mesmo a Parménides.
- Vamos embora, - disse Jack, aproximando-se da janela e inspeccionando o exterior – Sahid tinha a receita no bolso do casaco, já a recuperei e não tarda nada teremos mais companhia.
- Eu não me vou embora sem o meu Bigodes! Ele está ali dentro. - disse a decidida Cátia, apontando para um pequeno gabinete do outro lado do armazém.
Nesse instante, algo no exterior prendeu a atenção de Bauer, e ele soube que teria de agir rápido.
- Ok. Vocês vão buscar o gato, mas despachem-se. Encontra-mo-nos lá fora. - Dito isto, correu para o exterior do armazém.

Cátia e Parménides, que não via tanta acção desde que mudara a última vez a água ao aquário do seu peixinho vermelho, correram entre bidons e caixas para não despertar a atenção dos trabalhadores que se viam ao fundo do armazém. A jovem entrou de rompante no gabinete escuro com cheiro a oregãos e com as paredes cobertas de calendários que fariam corar Parménides, se ele não estivesse ocupado a desembaciar os óculos.
Reavido o felino, que dormitava num sofá velho, os dois saíram do gabinete em passo acelerado, que foi prontamente interrompido por um monhé de ar ameaçador, que lhes cortou a passagem.

domingo, 4 de outubro de 2009

Nature Boy

Nature Boy é uma canção escrita pelo compositor George Aberle, também conhecido por "eden ahbez", e popularizada por Nat King Cole em 1948. Desde então tem conhecido inúmeras versões, quase todas elas marcadas pela sua mensagem singela e inocente: a maior coisa que podemos aprender é apenas amar e ser amado. Eis um magnífico exemplo de como as coisas simples resultam em música.

There was a boy
A very strange enchanted boy
They say he wandered very far, very far
Over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he

And then one day
A magic day he passed my way
And while we spoke of many things
Fools and kings
This he said to me
"The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return"



Nature Boy, Ella Fitzgerald e Joe Pass:



Nature Boy, Karolina Pasierbska:



Nature Boy, James Last e Chuck Findley (trompete):