quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Algumas ideias para se discutir o fim das reprovações

A Ministra da Educação anunciou há dias, embora de forma um pouco vaga, a intenção de acabar com as reprovações nas escolas portuguesas, uma vez que está provado que a retenção dos alunos só lhes traz consequências negativas. Esta notícia apanhou desprevenidos alguns políticos, os quais, instados a comentar a opinião da ministra, se viram na obrigação de dizer alguns disparates sobre educação.

Convém assentar algumas ideias básicas sobre o assunto. A primeira é que a retenção, em Portugal, é aplicada actualmente a três tipos de alunos: os que não querem saber, os que não podem saber e os que ainda não sabem. Embora só haja uma única forma de retenção (a que faz com que o aluno "não passe") e um único objectivo (fazer com que o aluno aprenda), ela adquire três naturezas distintas, consoante o tipo de alunos a quem é aplicada.

Para o aluno que não quer saber, a reprovação é punitiva. É o Inferno. Ai andaste a brincar, então toma lá qu'é praprenderes. E o aluno, como se sabe, aprende.

Para o aluno que ainda não sabe, a reprovação é benfeitora. É o Céu. Ao aluno é dada a permissão de voltar a ter professores e usar os recursos da escola para fazer de novo o trabalho já feito, para que o possa fazer ainda melhor. E o aluno, como se sabe, fica a saber.

Para o aluno que não pode saber, a reprovação é purificadora. É o Purgatório. Não só porque purga, limpa, tal como Pilatos fez às mãos, como permite evitar que o aluno atinja o Céu, que ele não merece, sem que se tenha de o enviar para o Inferno, o que também seria injusto. E o aluno, como se sabe... bem, quer dizer, eu não sei se o aluno fica melhor, mas com uma coisa tão sofisticada como esta, decerto melhorará.

Como se vê, a retenção escolar é um processo minuciosamente desenhado para, na sua inquestionável simplicidade, atingir diferentes e complexos desígnios. Antes de botar faladura sobre o tema, há que analisar bem se esses desígnios estão ou não a ser atingidos.

Uma segunda ideia fundamental é que deve evitar-se a todo o custo afirmar publicamente que a intenção da ministra é aumentar o facilitismo que abunda nas escolas portuguesas, baixando ainda mais a fasquia. Ou melhor, colocando a fasquia rente ao solo, de forma que até uma centopeia coxa a consiga ultrapassar. Esta ideia parece peregrina, mas já não colhe muito junto da população. Alunos, pais e encarregados de educação estão habituados a ir ver as pautas de exames e constatarem cenários de razia absoluta, principalmente em disciplinas como Matemática ou Física. É rara a família onde não tenha havido já reprovações, pois todos os anos mais de 30% dos alunos não obtêm, total ou parcialmente, a classificação mínima considerada positiva. Ora, como pode uma coisa destas acontecer numa escola facilitista e de baixa exigência? Qualquer coisa aqui não bate certo. Se calhar a escola não está a exigir pouco, está é a exigir mal. Se calhar, a escola não está a dar facilidades aos alunos, está é a evitar ajudá-los melhor, como seria o seu dever.

Terceira ideia basilar, convém ter algumas cautelas nas comparações com países onde não vigora o sistema de reprovações, como é o caso da Finlândia. A Finlândia ficou célebre por ter obtido os melhores resultados nos estudos PISA, ao passo que Portugal se quedou por uma modestíssima posição. Este é um dos argumentos mais recorrentes para mostrar que a escola portuguesa não está de boa saúde.

Façamos um pouco de ficção imaginativa: suponhamos que, enquanto as raparigas finlandesas permaneciam nas escolas daquele país nórdico, os rapazes vinham todos os anos a Portugal, onde, durante dois meses, frequentavam as nossas escolas. Voltemos à realidade: os relatórios PISA mostram que, de forma consistente, as raparigas finlandesas obtêm melhores resultados que os rapazes nas três áreas estudadas - língua, matemática e ciências. Cruzemos ficção e realidade: se os rapazes nórdicos viessem a Portugal, estava encontrada a explicação para o seu menor sucesso - a menor qualidade do nosso ensino. Mas, como isso não acontece, temos de concluir que alunos semelhantes, que frequentam o mesmo sistema de excelência como é o finlandês, têm resultados escolares diferentes apenas porque são de sexo diferente.

Este pequeno exemplo mostra três coisas: primeira, que as causas dos fenómenos no ensino também devem ser procuradas fora da escola e para além da forma como se encontra definido o sistema escolar; segunda, que há causas relevantes que têm a ver com aspectos aparentemente inofensivos; terceira, que muitos alunos portugueses, muito provavelmente, terão chumbado em circunstâncias onde houve alguma influência do facto de serem do sexo masculino.