sábado, 20 de março de 2010

Uma melodia eterna

O compositor alemão Hans Leo Hassler (1564-1612) escreveu um dia uma inspirada melodia, que viria depois a ser utilizada por vários compositores. Esta melodia deve talvez a sua celebridade a Johann Sebastian Bach (1685-1750), que a incluiu na Paixão Segundo S. Mateus, BWV 244.

Na música pop houve várias abordagens, como é o caso de Peter, Paul and Mary (Because all men are brothers - the whole wide world around) e Paul Simon, que se inspirou no coral de Bach para compor American Tune.

É muito interessante ver a melodia "vestida" com roupagens de várias épocas e estilos.

Aqui temos a melodia original de Hassler, Mein Gmüth ist mir verwirret:



Eis a pauta com o coral de Bach...


... e o mesmo coral da BWV 244:



A versão de Peter, Paul and Mary:



E a canção de Paul Simon, aqui numa versão de Darrell Scott:

domingo, 7 de março de 2010

Ela não entenderia…

O som começa a ouvir-se distante e rapidamente se torna próximo e ensurdecedor, como se algo caísse a pique na minha direcção. Não vejo, mas imagino pelo som, aparelhos que voam, que se deixam cair no espaço aéreo, e que na última hora retomam o voo, acabando por não embater no local onde me encontro.

Vou despertando. O som que me incomodava é-me, afinal, familiar. Os carros que aceleram na avenida, que se começam a ouvir ao longe, aproveitando o vazio da estrada na noite, passam por segundos pelo local onde se encontra a casa onde durmo e desaparecem à mesma velocidade como vieram.

O sono está quebrado, agora. Fico a apreciar o efeito da iluminação provocada pelos faróis dos carros que passam. As velhas portadas de madeira nas janelas não encaixam bem, permitindo bastantes locais de penetração da luz, que percorre os tectos e paredes a cada manobra de algum carro a atravessar o cruzamento, para o qual o quarto da casa onde me encontro faz esquina.

Tenho os olhos bem abertos, tentando ver entre o escuro da noite, as sombras de luzes que se formam e a ideia que tenho daquela divisão que me é tão familiar, mas que me parece agora tão desconhecida. A cada carro que passa, a madeira das portadas da janela torna-se maleável, como se transformasse numa matéria plástica e depois numa matéria sem corpo. Jactos de cor varrem o escuro em movimentos rápidos que me hipnotizam. Tudo no quarto se vai desmaterializando, se transformando, num jogo de luz e movimentos estonteantes, como se estivesse a entrar noutra dimensão, sem controlo possível. Por todo o lado começam a surgir olhares e risos silenciosos que me perturbam. Eu sei que isso não pode ser real. No entanto, é tudo tão nítido e tão autêntico…

Manhã. Acordo com o quarto iluminado pela luz do dia, ouvindo conversas e passos de pessoas na rua, e os carros na estrada, agora soando-me mais distantes. Olho a janela e apresso-me a confirmar como as portadas continuam firmes. Confunde-me o quão tudo foi tão real e intenso, e agora esteja tudo tão igual a sempre. Desilude-me pensar que tudo o que vivi tão fortemente desapareceu…

Ao sair do quarto encontro a minha mãe que me pergunta como correu a noite. – Bem! Respondi. Não pretendo contar-lhe a aventura dessa noite. Decerto não entenderia, decerto faria rapidamente com que tudo fosse mero fruto da minha imaginação…