domingo, 10 de agosto de 2008

O diz c'o urso do presidente

Olá, o meu nome é Parménides Juvenal e moro aqui no bairro. Há quem diga que por aqui nunca se passa nada, mas não é verdade. Ainda hoje, por exemplo, foi um dia de emoções fortes.

Primeiro, foi o zipper das minhas calças que ficou trilhado numa das minhas bolinhas (a esquerda), obrigando-me a esfregar grandes camadas de halibut, o que me deu horas de muito prazer. Depois ficámos a saber pela rádio aqui do bairro (Águas Furtadas-109.99 FM) que, às 20 horas, o presidente da junta ia interromper as suas férias para fazer um comunicado à população, o que era inédito, pois o presidente nem os bons dias costuma dar, a não ser a quem lhe prometa votos.

Bom, na verdade, este dia começou com o meu pai a ficar em casa. Por um lado, foi triste vê-lo assim doente, enquanto ele telefonava para o emprego a dizer que estava com papeira, mas, por outro lado, foi bom vê-lo a recompor-se tão depressa e a propor que fôssemos à praia. Eu parece-me que o que lhe fez bem foi o amor da minha mãe, pois dizem que o amor faz milagres, e na verdade ela ficou tão feliz, tão feliz, de o ver em casa que, cada vez que alguém chegava, tal como o leiteiro, ou o padeiro, ela gritava excitadíssima: "O meu marido está em casa... O meu marido está em casa..." e eles abalavam a correr, certamente para espalharem a boa nova pelo bairro.

E então lá fomos. O caminho demorou pouco mais de duas horas, mas mesmo assim já não chegámos a tempo de apanhar o melhor local e o meu pai já não pôde erguer vedação de arame farpado que normalmente ele mete para reservar um espaço de 2 metros quadrados só nosso, de modo que foi só montar a mesa de picnic, com as geleiras e o garrafão por baixo, enquanto eu e meu pai aproveitámos a sombra da minha mãe, que ficou de pé. Ela ainda quis montar a piscina insuflável para mim, mas eu disse que desta vez não me apetecia nadar. Não é que não estivesse calor. Estava. Tanto assim que até desapertei o botão do colarinho da minha camisa de flanela, mas nadar não me apetecia.

Eu por acaso aprecio bastante os cuidados que a minha mãe tem comigo, porque sei que é para meu bem. Basta ver tanta gente pobre na praia, que não tem roupa para se cobrir, e tem de estar ao sol apenas com umas pequenas cuecas e uns soutiens reduzidos, ou às vezes nem isso. Coitados, ficam uns tempos de papo pró ar, outro tanto virados para baixo. De vez em quando lá vão mudando de posição, num movimento contínuo semelhante a um assado no espeto. Tirando o facto de não ter um pau enfiado no cu. Falo por mim, claro.

Uma das coisas que mais me intriga na praia, é o porquê do meu pai, cada vez que passa um grupo dessas raparigas pobres com pouca roupa, se volta de barriga para baixo na toalha. Quando ele de lá sai, noto que fica na areia uma ligeira cova no sítio do baixo ventre ou, por vezes, uma pequena mancha nos calções, pelo que desconfio que ele já esteja de alguma forma a ter problemas com a próstata.

Ao almoço, estávamos de volta do arroz de feijão com as divinas pataniscas feitas pela Cátia Vanessa, que a minha mãe trouxe da Tasca do Silva, quando às tantas diz o meu pai - “Epá, cum catano! Temos de ir ouvir o Aníbal”, e como o rádio de pilhas tinha ficado em casa, lá tivemos de vir embora, eram 3 da tarde, para evitarmos as filas de trânsito e chegarmos a casa a tempo do comunicado.

O Aníbal Silva é o presidente da junta, mas, apesar do nome, não tem nada a ver com a Tasca do Silva, excepto quando anda em campanha e lá vai distribuir uns autocolantes à clientela do outro Silva para que esta passe a ser clientela dele próprio.

A minha mãe dizia que ele era capaz de ir falar sobre alguns assuntos, enquanto o meu pai era da opinião que ele se iria debruçar sobre alguns temas. Eu não percebo muito de política, o meu forte são mais as colecções de caixas de fósforos, mas achava que o presidente iria falar daqueles problemas que mais se ouvem nas conversas às mesas da Tasca: a falta de dinheiro nas caixas multibanco, a falta de emprego que dê muito dinheiro com pouco trabalho e a falta de vontade de trabalhar de quem tem emprego.

Foi uma verdadeira emissão estereofónica, pois o comunicado foi para o ar em todos os aparelhos de rádio do bairro, excepto os que estavam desligados ou tinham sido atingidos por uma trovoada. Afinal, o que o Aníbal veio trazer foi uma lufada de ar fresco e esperança aos moradores aqui do bairro que pensam que tem uma vida cheia de problemas e de dívidas, mas que ao saber dos problemas que o presidente relatou, pensam: “Afinal existem vidas muito piores que a minha”, ganhando desta forma uma nova força e um novo ânimo para lutar contras as adversidades e dar a volta por cima.

E o que disse o presidente neste discurso verdadeiramente mobilizador? Que a vida dele era uma desgraça desde os 18 anos, altura em que casou com uma mulher que lhe batia todos os dias com um pé de cabra e que o violava, algumas vezes sem o seu consentimento. A sogra entrevada foi viver com eles, na época em que o Aníbal ganhou uma pedra nos rins e uma úlcera no estômago com as preocupações da mãe ter apanhado um problema de alcoolismo e a mulher ter começado a injectar-se nos braços, depois de ter sido despedida por sofrer de incontinência urinária trabalhando como portageira de uma SCUT.

Quando já tudo parecia perdido, uma reunião da Igreja Universal do Reino dos Meus mudou-lhe a vida como que por milagre. Hoje, a mulher já só lhe bate com o cinto e já não chuta nos braços, pois prefere o pescoço. Foi operado ao estômago e por engano tiraram-lhe os dois rins, pelo que já não tem problemas nem da pedra nem da úlcera. A sogra morreu e a mãe já não tem problemas de alcoolismo, ficando-se por simples bebedeiras. Tudo isto pela dízima mais baixa do mercado, de 9,25% dos rendimentos mensais!

Daqui resulta que, o que parecia ser o fim do mundo para Aníbal Silva, quando a amante descobriu que ele era um homem casado, tornou-se apenas um problema para o bairro, pois a amante era presidente da assembleia de freguesia, e sentindo-se enganada, tornou-se mais desconfiada em relação aos actos do presidente da junta, fazendo com que ele tivesse de obter o parecer positivo dela para toda e qualquer acção, coisa que não lhe parecia bem de acordo com a constituição local.

Porra - diz o meu pai - interrompe um gajo um dia de praia a pensar que havia aqui alguma coisa de importante, que iam aumentar o preço das pataniscas vendidas para fora na Tasca e vai-se a ver... tem razão quem diz c'o urso tem uma amante...

Desconfio que o meu pai também não percebe muito de política!

2 Comments:

Anônimo said...

Este Parménides...ai ai!!!!
Olha lá, gostas muito de composições?
Sp q te leio lembro-me dos MAIAS, do livro.......não dos lellos.
E se fosses para acessor do Mr. President? Talvez o DISCURSO fosse outro!!!
Grande capacidade descritiva!!!!!

PJ said...

AS COMPOSIÇÕES
Eu gosto muito de composições. Eu sou muito composto, porque a minha mãe me compra a roupinha como deve ser.
A vizinha da janela da frente não tem roupinha quando faz ginástica à janela, e a minha mãe diz que ela está descomposta.
Eu gosto da vizinha da janela da frente.