domingo, 22 de novembro de 2009

24 - Operação Moelas (X) finalmente...o fim.



“Cozem-se as moelas sem sal durante 30 minutos. Depois de cozidas cortam-se aos poucos e levam-se num tacho ao lume juntamente com a cebola, o alho, o azeite e as folhas de loureiro. Quando a cebola e o alho começarem a alourar, juntar a cerveja e deixar ferver. Em seguida deita-se o molho de tomate, na quantidade que preferir (depende da maneira como quiser o sabor do molho das moelas, a saber a tomate ou a saber mais a cerveja). Junta-se o vinho branco ou o whisky, cerca de 2 ou três colheres de sopa e o sal q.b. e deixa-se apurar o molho. Juntar ao molho 2 colheres de sopa de farinha maisena, dissolvidas em água, de modo a este engrossar”...

* * *

Podendo parecer repetitivo, ou falta de imaginação do autor, a verdade é que pela segunda vez naquele dia, dir-se-ía que o mundo havia parado a sua rotação e a vida interrompido o seu curso, à excepção dos rápidos movimentos de Jack Bauer que provavam a razão de Einstein dizer que espaço e tempo eram relativos. No tempo em que Cátia Vanessa levou a ler a receita (além dos balanços da viatura, não podemos esquecer a tremura das suas mãos perante a responsabilidade), Bauer conduziu a carrinha pelo parque de campismo adentro, conseguindo despistar os seus perseguidores e, ao mesmo tempo, deitar a mão a um fogão Camping gás, uma garrafa de cerveja, outra de vinho branco, aos temperos necessários às moelas e a um soutien de uma rapariga gorda que tomava banho atrás de uma roulotte.

Todo esse material, à excepção do soutien, foi utilizado por Cátia Vanessa, coadjuvada por Parménides Juvenal, que fizeram da traseira da carrinha do talho um laboratório de criação artística, pois de arte se trata quando se fala das moelas à Silva, pitéu gastronómico referenciado em várias publicações da especialidade, nomeadamente, a Gazeta Gastronómica de Curral de Moinas e o suplemento culinário da Dica da Semana.

Bauer guinou à esquerda, entrando na Rua dos Almeidas, a qual penetrava no coração do bairro e ía desembocar directamente em frente à Tasca do Silva. Consultou o seu cronómetro de pulso, uma bela peça de relojoaria de design italiano, precisão suíça e comprado na loja do sr Ping Xixi. Faltavam poucos minutos para o meio dia. A tensão crescia. Cátia Vanessa apurava o tempero das moelas. Os segundos iam correndo. Pelas costas do Silva corriam gotas de suor frio. Quase se podia ouvir o bater dos corações. Tensão no ar. Uma multidão aguardava que fosse servido o petisco após o discurso de Aníbal Silva. Mais um minuto passara e parecia cada vez mais perto o primeiro incumprimento eleitoral do candidato, que dissera claramente à imprensa, que ao meio dia estaria servido o ex-líbris da tasca e do bairro. E foi nesse momento que...

...a mãe de Parménides atravessou a rua, procurando pelo filho que não via há quase 24 horas e pela garrafa de tinto que, infelizmente, com ele desaparecera.
Uma fracção de segundo. Foi tudo quanto Bauer teve de antecedência para torcer violentamente o volante, levando a carrinha frigorífica a equilibrar-se momentâneamente em duas rodas antes de se desviar de encontro a um poste de iluminação, por sinal já com a lâmpada fundida. A força centrífuga criada pela curva, adicionada à energia cinética libertada pelo choque, numa proporção que este autor não consegue descrever, mas que qualquer físico poderá calcular com precisão, fez abrir as portas traseiras do veículo, projectando Parménides pelo ar como se de um frisbee se tratasse.

E foi assim, que Parménides Juvenal, num voo elíptico, passou no espaço aéreo por cima de sua mãe, agarrado a um tacho de deliciosas moelas prontas a comer, entrou pela porta da tasca, aterrando precisamente por baixo da comprida mesa de cerimónia, junto aos pés do Silva, o qual tratou de pegar no tacho e o colocar no centro da mesa, marcavam os relógios 11 horas, 59 minutos e 59 segundos.
- Aqui tem o que pretende – disse o dono da Tasca para Aníbal Silva.
O candidato franziu o sobrolho,na dúvida se ele se referia às moelas ou ao tacho...em sentido figurado.



Nessa noite, Parménides Juvenal pôde finalmente gozar o conforto do seu lar, sentado aos pés do maple onde sua mãe fazia renda, enquanto ambos viam a novela das 10, embora o jovem sentisse já os seus olhitos sucumbindo ao sono, quer por efeitos do cansaço quer por resultado do leite morninho que bebericava.
- Ai, meu filho, não imaginas as ralações que passei por tua causa...tentei ligar-te para o telemóvel e não respondeste...
- Ó mãe, desculpa, devo tê-lo perdido nalgum lado!
- Vou fazer-te uma bolsinha em malha para trazeres o telefone sempre contigo à cintura!
- Não sei se é boa ideia trazer o telemóvel à cintura, mãe, preocupa-me o que dizem por aí sobre as radiações...
- E tens medo do quê, filho?! De ficar estéril? O teu pai também o era e não foi por isso que tu deixaste de nascer...