sábado, 26 de setembro de 2009

Temp(l)o de reflexão

A Tasca do Silva, sempre atenta às necessidades dos seus estimados clientes, decidiu inaugurar um espaço adequado ao dia de hoje, onde o freguês poderá, de uma forma calma e ponderada, meditar mais aprofundadamente sobre a escolha que deverá fazer amanhã.





Sendo este estabelecimento modesto e de dimensões exíguas, não se admirem caso o dito espaço tenha odores menos agradáveis, uma vez que também se destina à clientela que o usa exclusivamente para a defecação. A estes últimos, a gerência desde já agradece o favor de não se enganarem no rolo.

domingo, 13 de setembro de 2009

24 - Operação Moelas (VII)



O sol raiava já pelas altas janelas do armazém quando Parménides acordou, despertando com um travo amargo na boca semelhante àquele que lhe deixava o seu mata-bicho habitual carregado de testosterona – uma malga de Farinha 33.
Deu por si sentado numa cadeira, com as pernas amarradas aos pés desta e as mãos atadas ao encosto, sentindo um volume atrás de si.
- Sr Jack? Sr Jack, está aí?
- O Jack ainda está desmaiado, Parménides.
O jovem teve um aperto no coração, quando percebeu que estava a ouvir a voz de Cátia Vanessa!


* * *

- Meu S. Gregório, isto é terrível, uma tragédia, um drama, - o Silva andava de um lado para o outro do balcão, com as mãos na cabeça – um cataclismo, um drama... ah, não, esta já disse... eu não posso ficar de braços cruzados, eu não posso assistir ao fim da tasca sem nada tentar...
- Porque não experimenta fazer as moelas sem receita? - avançou o inspector Agostinho.
- Porque esta receita, inspector, é mais do que uma receita, é uma herança de família, tem passado de pai para filho desde que foi inventada pelo meu pai, possui fórmulas de delicado equilíbrio de ingredientes demasiado elaboradas para eu as saber de cor.

* * *
- Sim, fui eu que telefonei aos marroquinos para os avisar...- Parménides ouvia a explicação de Cátia Vanessa, igualmente amarrada a uma cadeira junto deles, e recusava-se a acreditar que um dos seus ídolos, a mulher que fazia as divinas pataniscas que o Silva vendia para fora, fosse capaz de tamanha malvadeza para com a tasca - ...tive de o fazer, para proteger aqueles que amo...
- Que história é essa? - perguntou Bauer, entretanto desperto.
- A verdade é que ninguém imagina os lucros fabulosos que o comércio de caracóis traz a quem domina o negócio. Os animais são comprados a € 0,80 o quilo e importados às toneladas para o mercado português, onde chegam às mesas dos cafés a um preço 16 vezes superior. O Sheik Al Mufada controla uma poderosa organização, sr Bauer, tem olhos e ouvidos em toda a parte e domina o mercado com mão de ferro, não admitindo que negócios como o da tasca do Silva lhe façam concorrência nos petiscos com uma receita de moelas.
- Mas o sr. Silva é tão simpático, coitado! - gemeu Parménides.
- Depois da organização ter raptado o Bigodes, o meu gato persa... – disse Cátia com lágrimas nos olhos – Eles ameaçaram capar o meu pobre bichano e não tive outra opção...
- Mesmo correndo o risco de levar o Silva à falência? - perguntou Bauer.
- Eu não podia fazer nada... e não pude suportar o sofrimento do Bigodes. Eu pensava que, no fim, mesmo que eu fosse despedida, poderia ganhar dinheiro alugando o Bigodes para inseminação, ele tem pedigree... Afinal, enganei-me, e agora querem também ver-se livres de mim! Estou tão arrependida...
* * *

Na sede do PITA:
- Tô? Silva? Tá tudo a andar, né? Claro, nem é preciso perguntar, o dr Aníbal faz questão de te cumprimentar em público para as fotos, já viste a publicidade, âhn?! O quê? Se podes servir peixinhos da horta? Mas que raio de conversa é essa, ó Silva?! Isso não pode ser, pah! As moelas têm uma imagem de força política que não se pode desperdiçar!... Agora cá peixinhos da horta... além do nome ser um bocado panilhas, isso remete para horta, não diz nada aos nossos eleitores, aqui ninguém tem hortas. Vamos lá a atinar, ó Silva, que isto não pode falhar, sabes que o dr. Silva quase que ia sendo agredido na última manifestação do 1.º de Maio... quer dizer, não foi bem agredido, mas ainda lhe vieram as lágrimas aos olhos... sim, tá bem, só chorou de um olho... bom, a bem dizer foi apenas um cisco...

domingo, 6 de setembro de 2009

Cardápio eleitoral da Tasca do Silva

Vale a pena ler e analisar com atenção os programas eleitorais dos partidos políticos. Eles são fonte inesgotável de ensinamentos que podemos utilizar em diversas situações, elevando substancialmente o nível do discurso e das práticas. Aqui na Tasca, por exemplo, os programas eleitorais estão a ser usados para renovar o atendimento. E esta acção começa já a dar frutos que nos parecem muito interessantes.

Eis um exemplo gravado em áudio na passada sexta-feira, quando entrou o primeiro cliente do dia, eram onze horas e cinquenta e dois minutos:

- Bom dia, já se pode almoçar?
- Ali no restaurante em frente ainda não pode almoçar, mas aqui sim.
- E que tem hoje que se coma?
- Garantimos a efectiva confecção de diversos alimentos, de forma a poder satisfazer as suas mais exigentes necessidades alimentares.
- E o que tem pronto a sair?
- Providenciamos uma vasta selecção de pratos tendo em vista vários regimes alimentares.
- Sim, mas diga-me alguns…
- Providenciaremos não apenas alguns e faremos um esforço para acompanhar os seus pedidos, seja qual for o prato que queira.
- E que pratos tem?
- As nossas propostas são ambiciosas, mas realistas.
- Por exemplo?
- Acompanhamos com especial atenção os PME, os pequenos e médios estômagos. Os micro e PME portugueses são parte essencial da sustentação dos sectores mais modernos e dinâmicos da gastronomia.
- Não é o meu caso, eu gosto de comer bem, em quantidade.
- Privilegiamos não só a quantidade, mas também a qualidade, tendo para isso feito um programa de modernização de toda a cozinha.
- Ok, traga-me a lista…
- As nossas prioridades não estão centradas em listas mas sim no reforço de um serviço inovador…
- Desculpe, não estou a perceber, afinal tem ou não algo que se coma?
- Os nossos objectivos não se confinam à comida, garantimos também um apoio completo à bebida.
- Isto é que é uma gaita! Olhe, acha que devo comer aqui ou no restaurante do outro lado da rua?
- Reforçaremos os mecanismos para criar condições que permitam ajudá-lo a tomar a decisão mais conveniente nessa matéria. Já comparou os nossos pratos com os do restaurante concorrente?
- Ainda não. Que pratos têm aqui, afinal?
- Os nossos pratos renovam a ambição de garantir uma competitividade sustentável assegurada por uma transversalidade de funções consolidadas no quadro de uma vasta…
- Desculpe, já não aguento mais e estou cheio de fome. Traga-me um bife grelhado com legumes cozidos.
- E para beber?
- Uma cerveja preta.
- Os seus desejos são ordens. Iremos trabalhar afincadamente para satisfazer o seu pedido nos próximos quatro anos.

sábado, 5 de setembro de 2009

Arroz xau-xau

Fazendo jus ao nome deste blogue, coisa que talvez nunca o tenha feito, porque sempre tentei guarnecê-lo com outro tipo de receitas – aquelas que acabamos por digerir todos os dias, mas que não vão parar propriamente ao estômago mas a outras partes do nosso organismo, partes essas que nem qualquer um possui, ou desconhece possuir, caso mais frequente este último, ou não vivêssemos numa sociedade sofredora de letargia cerebral – hoje decidi finalmente acatar o espírito tasqueiro e, assim, tentar surpreendê-los com um prato cujas iguarias vão fazê-los transportar por uma viagem que bem pode começar, caso sofram de falsas expectativas, num belo arroz de grelos, e acabar, caso caiam na realidade, num daqueles pratos culinários todos pipis, mas que na prática não nos alimentam convenientemente, aqueles a que agora fica bem apelidar de “gourmet”. A ver vamos.

Se há coisa que os meus Pais me ensinaram, ou não fossem eles pessoas oriundas de famílias de fracos recursos, foi a de que devemos tentar gostar um bocadinho de tudo, pois nem sempre havia a possibilidade de comermos aquilo de que realmente gostávamos. Bem sei o porquê de nos tentarem incutir tais valores, pois eles eram de outros tempos – os tempos em que era necessário ter estômago para tudo e mais alguma coisa, pois, pensavam eles, era preferível comer algo a ter a barriga constantemente a dar horas!

Pois bem, meus amigos, para quem não me conhece, esta é a altura ideal para desistirem da leitura deste post e talvez passarem para um qualquer blogue que se dedique à trica politico-partidária… ou talvez não, fica ao vosso critério, mas depois não digam que não vos avisei e que sou sempre o mesmo destroça corações.

Para os que ficaram, aqui fica uma receita que me recuso cozinhar, muito menos digerir:

- Arroz “alfinetada”;
- Ovos debaixo dos braços q.b.;
- 120 g de pseudo-jornalistas, que mais não são do que paus mandados de um lobby qualquer;
- 250 g de carne de “aves de rapina”;
- 150 g de carne de porca política;
- 100 g de gente que não se importa de ser afiambrada, desde que os meios justifiquem os fins;
- Nozes dos dedos picadas, de tantos murros se dar na própria dignidade;
- Sal e pimenta ao gosto de cada um;
- Água à medida daquilo que se quer “alagar”;
- Salsa (ou outro tipo de dança, principalmente aquela, a de cadeiras).

Queridos e amados Pais, por muito que eu goste de vós, que gosto, bem o sabeis, prefiro alimentar-me de outras coisas, nomeadamente as que me façam crescer como pessoa, em detrimento daquelas que só servem para encher o band(a)ulho… ou então morro orgulhosamente à fome.

Beijos, abraços… e xau-xau!