sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

O casamento entre pessoas do mesmo sexo

Debate na TV sobre o casamento dos homossexuais. Vi com muito interesse. À partida, a minha opinião fundamentava-se em 90% de razões a favor e 10% contra. No final do debate, a balança passou para uns meros 60-40. Não que os argumentos a favor do "não" tenham sido bons. A maior parte dos argumentos a favor do "sim" é que foram confrangedores.

A questão, se pensarmos bem, resume-se a duas vertentes: a prática e a simbólica. Se querem discutir o assunto a sério, concentrem-se nestes dois pontos.

Quanto ao aspecto prático, é bom ir logo ao osso da questão. Em termos de direito da propriedade e da família, que interessa que o casamento entre pessoas do mesmo sexo seja uma aberração do ponto de vista conceptual, se isso vai acabar com situações de injustiça e discriminação? Claro que é possível adoptar uma outra solução jurídica que não se chame casamento. Mas aqui entra a vertente simbólica, que tem estado muito arredada da discussão.

Deixem-me propor um par de analogias para se perceber melhor.

Na Matemática, sabemos que uma potência é uma representação simbólica que exprime o valor que se obtém multiplicando a base por si própria o número de vezes que surge em expoente. Sendo assim, é um absurdo escrevermos "cinco elevado a zero", pois zero não pode ser o número de vezes que a base multiplica por si própria. No entanto, "cinco elevado a zero" tem de existir por imperiosa necessidade da lógica matemática (ver explicação ao fundo).

Num plano mais próximo do casamento, toda a gente sabe que uma sociedade é um acordo entre duas ou mais pessoas. No entanto, porque é possível que um sócio detenha 99,9% do capital social ou até venha a adquirir, directa ou indirectamente, todas as quotas dos restantes sócios, o direito societário evoluiu no sentido de permitir a constituição de sociedades comerciais unipessoais, isto é, que apenas têm um sócio. As diferenças entre um comerciante singular e uma sociedade unipessoal não se resumem apenas a uma questão de direitos, mas incluem valores associados à imagem que se atribui no meio empresarial a cada uma destas formas jurídicas.

Nestes dois exemplos, a realidade matemática e a jurídica tiveram de se adaptar, combinando aspectos simbólicos, práticos e lógicos. É esta adaptação que tem de acontecer também no casamento.

Resumindo, as potências de base zero são um absurdo, mas têm de existir. As sociedades com uma só pessoa não são realmente uma sociedade, mas podem ser constituídas como tal. O casamento entre pessoas do mesmo sexo não é bem um casamento, mas é uma inevitabilidade. Por isso, altere-se a lei. E deixem-se de paneleirices.


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Por que tem de existir "cinco elevado a zero"?
Sendo 52 : 52 = 1 (um número a dividir por si próprio é igual a 1)
e 52 : 52 = 12 = 1 (propriedade da divisão de potências com o mesmo expoente)
então 52 : 52 = 50 = 1 (propriedade da divisão de potências com a mesma base).
Em conclusão, qualquer número elevado a zero é igual a 1.

1 Comment:

Anônimo said...

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O dicionário diz que o verbo "desconversar" significa "deixar de conversar", ou "abandonar o assunto da conversa, fingindo entender o que alguém diz". E quando a gritaria e o insulto fazem esquecer o que se discute. As hostilidades próximas começaram com o Cardeal Patriarca, a dissertar sobre o "perigo", para as portuguesas, de casarem com muçulmanos.

(...)

Se queria interferir nos mecanismos de afecto, amor, romance e sedução, reconhecimento mútuo e reflexão conjunta, que o casamento devia comportar, terá andado mal. Mas não sou eu que o vou julgar. Não se pense, porém, que algumas palavras mal interpretadas, ou mal proferidas, travam, ou impedem, o iniciado "diálogo entre civilizações". Não é uma conversa "teológica", na medida em que não se trata de criar uma nova religião, por osmose ou partilha, mas é um contacto entre pessoas integrais, que quererão um mínimo comum, da liberdade de culto ao fim das perseguições e dos conflitos ilegítimos.

Uma segunda polémica começou com declarações diversas, de leigos e prelados, sobre os alegados projectos de instituição do "casamento" homossexual. O problema de justiça e equidade é o da equiparação, em direitos civis plenos, entre a união homossexual (que já existe na lei) e o casamento (por definição, um contrato heterossexual).

Não é o da etiquetagem de cada um destes contratos. Se fosse, estaríamos perante um jogo infantil, uma espécie de macaqueamento e birra.

Não se trata assim de chamar "casamento" a dois contratos que são distintos, em função dos contratantes (não em função do objecto, alcance, ou dignidade civil dos mesmos).

Deveremos ter "casamentos" e "uniões de direito". Os primeiros referem-se a dois sexos. Os segundos a um.

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Nuno Rogeiro in JN
http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?opiniao=Nuno%20Rogeiro