domingo, 2 de agosto de 2009

O que não lhe consegui esconder

Aprecio o ritual, como se o estivesse a ver pela primeira vez. Cada pormenor desperta em mim a curiosidade, uma ponte na imaginação infantil. Aquele pincel igualmente grande e pequeno, diferente dos que uso nas pinturas, e que costumo noutras alturas retirar da prateleira para brincar, neste momento encontra-se, uma vez mais, energicamente a criar uma espuma branca imensa no seu rosto. De seguida um objecto em forma de T passa com movimentos delicados e precisos, fazendo descobrir a pele por baixo da espuma.

Numa das idas à casa de banho reparo naquele objecto em forma de T, analiso-o tentando entender a sua função. Existe alguma sujidade retida na pequena ranhura superior, e num acto impensado deslizo o dedo indicador para a tentar retirar. Sinto dor, e de imediato surge uma gota enorme de sangue, que rapidamente é seguida de outra, e outra e a sequência torna-se rápida e interminável. Deixo cair o objecto no lavatório ensanguentado e fujo daquele local, daquela situação. Saio a correr para a sala e sinto a minha mãe vir atrás. “O que aconteceu?”, pergunta, enquanto procuro esconder a mão nas costas, sentindo o dedo quente, inchado, a latejar. “Nada!” respondo, tentando disfarçar o meu desconforto. Reparo nas manchas de pingos pelo chão e no olhar da minha mãe na minha direcção, mas sem ser para mim: para o que estaria no chão perto de mim.

Sinto-me aliviada pela sua presença, por ter percebido o que aconteceu. Porque ela tem sempre solução para o que desconheço.

1 Comment:

PJ said...

Se estas postas fossem um bolo, seriam umas fatias de pão-de-ló.

Podem não chamar a atenção, mas no fim de as provar deixam um gostinho doce a bailar no céu da boca.