sábado, 31 de outubro de 2009

24 - Operação Moelas (IX)...sim, está quase...



Moça roliça, porém resoluta, Cátia Vanessa decidiu que não seria um qualquer mal-encarado que a impediria de voltar à liberdade na companhia do seu Bigodes, pelo que, surpreendentemente até para si própria, pregou uma valente lambada no indivíduo, semelhante às que fornecia aos clientes do Silva quando se faziam esquisitos para pagar a despesa, suficiente para que o marroquino, por um lado, perdesse 2 dentes e uma lente de contacto, mas por outro, ganhasse um hematoma tamanho familiar no olho esquerdo e uma contusão ao bater com a cabeça num bidon, que o colocou fora do caminho.

Os dois fugitivos escaparam dali o mais depressa que puderam e Cátia deu a mão a Parménides para que passassem o umbral da saída. Juvenal corou, mas até hoje não foi possível apurar se isso se deveu à experiência carnal ou à excitação da corrida. Já no exterior, olhando em ambos os sentidos, não viram Jack em lado nenhum.
De repente, surgindo a grande velocidade, uma carrinha frigorífica branca, com letras vermelhas na carroçaria a dizer “Talhos Dona Rosa-A Chicha Mais Saborosa”, tentou dobrar a esquina sob o protesto dos pneus, que guincharam no pavimento até o veículo se imobilizar à frente dos dois. A janela do condutor desceu e dentro da cabine surgiu a cabeça de Bauer, que gritou:

- Subam! Não temos tempo a perder!
Passageiros acomodados, de novo chiaram os pneus quando Bauer pisou o acelerador, a caminho da tasca.
- Onde é que arranjou este transporte? - perguntou Cátia Vanessa, segurando o seu gato enquanto deslizava no banco corrido, após mais uma curva brusca.
- Quando estava no armazém, vi passar o reboque da polícia com ela atrelada, pelos vistos estava mal estacionada, e percebi que estava aqui a nossa hipótese de salvar o Silva.
- Deixe-me ver se percebi, a polícia autuou um veículo, ía a rebocá-lo e você foi lá pedi-lo emprestado?!
- Disse-lhes que era um assunto de segurança nacional...e pedi por favor.
- E eles entregaram o veículo? - perguntou Parménides a caminho do enjoo.
Bauer olhou pelo retrovisor e vislumbrou dois grupos de sirenes que, lá ao fundo, ganhavam terreno na perseguição à carrinha frigorífica.
- ...uhn, não exactamente!

Calcou de novo o acelerador e atravessou em linha recta um cruzamento com a destreza de um condutor indiano na hora de ponta em Bombaim, a mesma destreza que os outros condutores não tiveram, pois ouviram-se várias travagens prolongadas que acabavam com o som de metal a bater.
- Ouçam,- disse Bauer conferindo novamente o retrovisor e verificando que já meia divisão policial seguia no seu encalço – esta carrinha tem a solução. Lá atrás temos vários quilos de moelas, temos a receita, portanto, podemos prepará-las para que cheguem à tasca precisamente ao meio dia, quando começar o evento!
- Preparar as moelas onde? Aqui dentro, não? - interrogou Cátia Vanessa.
- Sim. Não se preocupem, eu tenho um plano.
- Eu também tenho um plano... poupança-reforma, mas só lhe posso mexer aos 65 anos e quero lá chegar viva! É a ideia mais estapafúrdia que já ouvi na minha vida, e mesmo que fosse possível, como as iremos fazer? Pois se a receita é secreta, não é suposto que a possamos ler...
- Ouça, não sei se o Parménides sabe cozinhar ou não, mas eu não sei, portanto o futuro da tasca está nas suas mãos. E não se esqueça do seu papel nisto tudo...ninguém tem de saber, entende?...Eu só quero sossego, posso esquecer-me de contar ao Silva se tiver, digamos, alguém que me lave os cortinados uma vez por ano. O que me diz?

Vanessa meditou e no seu íntimo soube que era a oportunidade ideal para se redimir do apoio que tinha dado ao plano de Al Mufada.
- Ok, eu faço as moelas – assumiu, não sem sentir um nó na garganta, enquanto pegava no papel da receita das moelas à Silva, com o cuidado devido a uma relíquia bizantina.
Em breve, pela primeira vez, alguém fora da linhagem Silva desvendaria um segredo com anos de história, de mistério, de suor, lágrimas e dores de barriga, algo que muitos tinham tentado alcançar sem conseguir. O nervosismo e a responsabilidade fizeram-lhe tremer as mãos, quando Cátia começou a ler o papel:
- Ingredientes...

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