sábado, 28 de fevereiro de 2009

THE T-FILES – Encontros Imediatos Do Grau Esquisito (IV)

ALGURES NO BAIRRO
SÁBADO – 21H29

Nessa mesma noite, e receando que o desgosto que ainda consumia o seu filho pela perda do animal de estimação o levasse a cometer loucuras como chegar a casa depois da dez da noite, a mãe de Parménides acompanhou-o na sua saída nocturna para levar o lixo ao ecoponto, nas traseiras da Tasca.

Secretamente, Parménides ansiava por encontrar de novo aquele ser luminescente como forma de restabelecer a confiança da sua mãe na sua palavra, embora também soubesse que tal encontro imediato elevava as probabilidades do terminal do seu aparelho urinário deixar de vedar. A separação do lixo decorreu sem novidades, a não ser que o contentor amarelo estava cheio já não levando a última lata de conserva, que ficou do lado de fora. A noite estava fria e a respiração provocava pequenas nuvens de vapor à saída do nariz.
A rua estava deserta... mas nada aconteceu.

Parménides e sua mãe já dobravam a esquina no regresso quando um barulho metálico violento os fez olhar instintivamente para trás. E ficou provado que o jovem não mentira. Um vulto de luminescência verde tinha tropeçado na lata de sardinhas de conserva junto ao ecoponto amarelo, indo embater de cabeça no pilhão adjacente, derrubando-o, e soltando uma interjeição imperceptível, qualquer coisa como “não-sei-quê-dassss”!

Assustado por perceber que tinha sido descoberto, o vulto fugiu de vista, coxeando entre os caixotes de papelão que atravancavam o passeio, fruto da nova remessa de presuntos serranos que o Silva encomendara para o seu estabelecimento.
- Meu filho, eu devia ter acreditado nos teus olhos!
- Mas já não é preciso, mãe! - disse Parménides, contente por ter provado a sua razão e pelo comportamento meritório do seu aparelho urinário – Temos outro tipo de provas.

E dito isto, apontou para a câmara de vigilância instalada pelo Silva. Escusado será dizer que, em agradecimento pela remoção do psicótico engraxador da frente da loja, o Silva lhe facultou as gravações de vídeo daquela noite a título gratuito, o que constituiu uma liberalidade não declarada para efeitos de imposto do selo.

Como forma de repor a integralidade da honra do seu filho, que nunca fora grande coisa desde que fora apanhado completamente vestido no balneário das colegas do preparatório enquanto estas tomavam banho, a mãe de Parménides forneceu as imagens ao jornalista da “Dica da Semana”, que na edição seguinte titulava “Homem verde destrói reciclagem – uma contradição ecológica?”. A tiragem foi insuficiente para a procura e em menos tempo que leva Marcelo Rebelo de Sousa a ler um livro, todo o bairro soube da história.

E nessa noite, em todos os cantos escuros da rua das traseiras da tasca, em todas as zonas de penumbra, em todas as sombras de candeeiros, estava alguém aguardando a chegada de Parménides Juvenal, do seu lixo e dos homens verdes.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Um doce tormento

Uma das melodias mais bonitas que eu conheço foi escrita pelo compositor Claudio Monteverdi (1567-1643). É também uma belíssima canção sobre o clássico amor não correspondido. Andam por aí várias versões, mas eu gosto particularmente desta:



Si dolce è 'l tormento
Ch'in seno mi sta,
Ch'io vivo contento
Per cruda beltà.
Nel ciel di bellezza
S'accreschi fierezza
Et manchi pietà:
Che sempre qual scoglio
All'onda d'orgoglio
Mia fede sarà.

La speme fallace
Rivolgam' il piè.
Diletto ne pace
Non scendano a me.
E l'empia ch'adoro
Mi nieghi ristoro
Di buona mercè:
Tra doglia infinita,
Tra speme tradita
Vivrà la mia fè.

Per foco e per gelo
Riposo non hò.
Nel porto del Cielo
Riposo haverò.
Se colpo mortale
Con rigido strale
Il cor m'impiagò,
Cangiando mia sorte
Col dardo di morte
Il cor sanerò.

Se fiamma d'amore
Già mai non sentì
Quel riggido core
Ch'il cor mi rapì,
Se nega pietate
La cruda beltate
Che l'alma invaghì:
Ben fia che dolente,
Pentita e languente
Sospirimi un dì.

Claudio Monteverdi
Si dolce è 'l tormento
Accordone com Marco Beasley (voz) - La Bella Noeva
Alpha, 2003

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Salada de tomate

O meu amigo Norberto, Deus o tenha em descanso eterno depois de um trágico acidente que o levou, ainda novo, deste mundo, detestava tomates. Um dia, vítima de uma emboscada na guerra colonial, teve de passar várias horas abrigado do inimigo sem que tivesse quaisquer mantimentos. Ao fim de algum tempo a fome começou a apertar. E como havia ali mesmo ao lado um tomatal, o pelotão, muito naturalmente, atacou os tomates.

Norberto resistiu, pois tomates não era comida que entrasse na sua boca. Mas, ao fim de angustiosas horas de jejum, a fome venceu. E a partir desse dia o meu amigo passou a ver os tomates com outros olhos. Ou melhor, com outra boca. O solanum lycopersicum tinha ganho mais um adepto.

Para quem não gosta de salada de tomate, não é necessário ir à guerra para passar a gostar. Basta experimentar esta receita:

Num escorredor, colocar tomates às rodelas, se possível de diferentes cores e estados de maturação. Acrescentar também alguns tomates-cereja inteiros. Temperar com sal grosso e deixar escorrer durante 20 minutos, mexendo de vez em quando.

Colocar os tomates numa saladeira e polvilhar generosamente com orégãos. Juntar um dente de alho esmagado em puré (usar utensílio próprio ou um raspador), malagueta vermelha cortada finamente, vinagre e azeite. Mexer bem para misturar todos os ingredientes.

Acrescentar pedaços de queijo mozarela (em bola). Servir como entrada ou acompanhamento.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

O casamento entre pessoas do mesmo sexo

Debate na TV sobre o casamento dos homossexuais. Vi com muito interesse. À partida, a minha opinião fundamentava-se em 90% de razões a favor e 10% contra. No final do debate, a balança passou para uns meros 60-40. Não que os argumentos a favor do "não" tenham sido bons. A maior parte dos argumentos a favor do "sim" é que foram confrangedores.

A questão, se pensarmos bem, resume-se a duas vertentes: a prática e a simbólica. Se querem discutir o assunto a sério, concentrem-se nestes dois pontos.

Quanto ao aspecto prático, é bom ir logo ao osso da questão. Em termos de direito da propriedade e da família, que interessa que o casamento entre pessoas do mesmo sexo seja uma aberração do ponto de vista conceptual, se isso vai acabar com situações de injustiça e discriminação? Claro que é possível adoptar uma outra solução jurídica que não se chame casamento. Mas aqui entra a vertente simbólica, que tem estado muito arredada da discussão.

Deixem-me propor um par de analogias para se perceber melhor.

Na Matemática, sabemos que uma potência é uma representação simbólica que exprime o valor que se obtém multiplicando a base por si própria o número de vezes que surge em expoente. Sendo assim, é um absurdo escrevermos "cinco elevado a zero", pois zero não pode ser o número de vezes que a base multiplica por si própria. No entanto, "cinco elevado a zero" tem de existir por imperiosa necessidade da lógica matemática (ver explicação ao fundo).

Num plano mais próximo do casamento, toda a gente sabe que uma sociedade é um acordo entre duas ou mais pessoas. No entanto, porque é possível que um sócio detenha 99,9% do capital social ou até venha a adquirir, directa ou indirectamente, todas as quotas dos restantes sócios, o direito societário evoluiu no sentido de permitir a constituição de sociedades comerciais unipessoais, isto é, que apenas têm um sócio. As diferenças entre um comerciante singular e uma sociedade unipessoal não se resumem apenas a uma questão de direitos, mas incluem valores associados à imagem que se atribui no meio empresarial a cada uma destas formas jurídicas.

Nestes dois exemplos, a realidade matemática e a jurídica tiveram de se adaptar, combinando aspectos simbólicos, práticos e lógicos. É esta adaptação que tem de acontecer também no casamento.

Resumindo, as potências de base zero são um absurdo, mas têm de existir. As sociedades com uma só pessoa não são realmente uma sociedade, mas podem ser constituídas como tal. O casamento entre pessoas do mesmo sexo não é bem um casamento, mas é uma inevitabilidade. Por isso, altere-se a lei. E deixem-se de paneleirices.


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Por que tem de existir "cinco elevado a zero"?
Sendo 52 : 52 = 1 (um número a dividir por si próprio é igual a 1)
e 52 : 52 = 12 = 1 (propriedade da divisão de potências com o mesmo expoente)
então 52 : 52 = 50 = 1 (propriedade da divisão de potências com a mesma base).
Em conclusão, qualquer número elevado a zero é igual a 1.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Adivinha

Hoje, uma coisa simples e ao alcance de qualquer um:

- Qual é a coisa, qual é ela, que tem duas cabeças e apenas um cérebro?

Ok, não queimem os fusíveis a pensar muito em bicharada… desconfio que até já deve haver alguns a pensar nos animais mitológicos… se bem que nem andariam muito longe, isto se estivessem a pensar naqueles que foram inventados para incutir certos medos nas pessoas, fosse pelo que personificavam, fosse pela sua própria figura.

Para acabar com o “suspense”, aqui está a resposta:



E assim aqui ficou a minha mensagem de amor, neste belo dia, também ele mitológico.

Por falar em mensagens de amor, também vos deixo um pequeno trecho da letra de uma música ali dos anos oitenta, letra essa da autoria desse grande jornalista/escritor/professor/humorista, Miguel Esteves Cardoso ("coincidências", dirão alguns agora),

"Não foram poemas nem rosas
Que colheste do meu colo
Foram cardos foram prosas
Arrancados ao meu solo"


P.S. (de "post scriptum", não vá alguém pensar que isto é uma encomenda de algum filiado): Bem sei que – pelo menos a crer no share fornecido pela “TaskTest” – estarão ávidos por mais um episódio da “TDS-TV”, mas, meus queridos amigos, façam o favor de esperar mais uns tempos, pois mais vale um bom programa de televisão de vez em quando, do que uma “televisão de programa” (pelos vistos eleitoral) todos os dias.