sábado, 22 de maio de 2010

O mistério das tabelas de IRS

Todos os anos os governos publicam um despacho onde se definem as tabelas de retenção na fonte do IRS, aplicáveis aos rendimentos dos trabalhadores dependentes e dos pensionistas. Este ano, por força do atraso da aprovação do Orçamento de Estado, as tabelas foram publicadas apenas em 20 de Maio, através do Despacho n.º 8603-A/2010.

Devido às anunciadas medidas de austeridade e ao aumento de impostos, as pacíficas tabelas de IRS levantaram este ano uma estranha polémica na Assembleia da República, nos noticiários e entre os habituais comentadores políticos da nossa praça. O governo respondeu com um esclarecimento que ignora ostensivamente a letra da lei no que diz respeito à data da entrada em vigor (ver número 6 do Despacho).


Como toda a gente sabe, ou devia saber, não são as tabelas de retenção que originam a operação de liquidação do IRS. Elas apenas permitem uma cobrança antecipada, mas com valor provisório, do imposto. O verdadeiro IRS do ano de 2010 só será calculado em 2011, usando as regras que na altura estiverem em vigor e não o cálculo que resulta das tabelas agora publicadas. Vejamos, então:

Alguma vez no passado se levantou a questão do mês em que as tabelas devem começar a ser aplicadas aos salários? Não. Porquê, então, a questão é levantada este ano? Mistério!

Não é verdade que o real IRS que nos sairá do bolso é o que resultar da lei que ainda não foi aprovada e não o que é calculado com as tabelas de retenção? Claro que sim. Porquê, então, a indignação devido à "tributação" ter sido decidida por mero despacho publicado antes da discussão da alteração da lei? Mistério!


Não é indiferente, em termos de liquidação final de IRS, que as tabelas sejam aplicadas já em Maio, ou só a partir de Junho, ou de Julho ou até de Setembro? Claro que sim. Porquê, então, a inflamada questão sobre a data de entrada em vigor do despacho e este anedótico esclarecimento do governo? Mistério!

Este episódio é um bom exemplo da ignorância, da falta de rigor ou da falta de seriedade com que políticos, jornalistas e outros espécimes afins nos governam, nos informam e criam opinião pública neste país. É que, se tanta asneira se diz numa coisa tão simples e tão evidente, dá para imaginar os disparates que se dizem e se fazem em relação a coisas bem mais complicadas...

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