quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O Sr. Administrador. Quem bate é mesmo, e só, ele!

De vez em quando o Sr. Álvaro Rixa vem fazer-nos uma visita. No seu passo miúdo, olhando para o chão antes de pousar cada pé e prevenindo o deficit de forças, que é visível, com o “subsídio” da sua bengala bem segura na mão direita, vai fazendo a sua caminhada até à Tasca.

Pessoa carismática e de fortes convicções, vida intensa, cargos de poder, mente bem recheada de recordações e emoções, as quais, com orgulho e evidente nostalgia, não perde a oportunidade de relembrar, evidenciando, ao mesmo tempo, o seu jeito de exímio contador estórias. Narrativa viva com retrato bem conseguido dos factos.

O Sr. Álvaro Rixa, conta-nos, foi “Administrador” numa antiga colónia ultramarina portuguesa (ali tudo era longe - diz ele orgulhosamente - veja só que em vez de carro na garagem tinha avião no quintal!).

“Administrador” era, pelo que percebi das longas e interessantes conversas que às vezes temos, o “delegado do poder administrativo” e o “superintendente” para todas as questões públicas, administrativas e judiciais de uma região. Era o que, pode dizer-se, o “Senhor do Poder”, pois nele se centrava todo o poder executivo (administrativo público, tributos, etc) da ordem (segurança, polícia, etc) e o poder judicial (aplicação da lei e suas sanções coercitivas, julgar e aplicar penas, o que por cá chamamos de Juiz, mas com sentença sem julgamento!).

Da sua última visita cá pela tasca, com ar cansado (os anos não perdoam) e voz pausada, contou-nos ele que, “Quando cheguei aquela terra andava todo o preto descontente, toda gente batia no preto. Chamei todos (referia-se a outros representantes de órgãos administrativos, tributários e de segurança) e disse-lhes: a partir de hoje ninguém mais bate em preto, só eu

E diz, orgulhosamente, que a partir dali tudo correu bem.

Todos os dias, logo de manhã, a primeira coisa que fazia era "dar a pena" aos pretos que no dia anterior tinham sido apanhados a fazer asneira ou de tal acusados. Umas chibatadas ou umas palmatoadas, na quantidade proporcional ao crime, era o melhor, ”não precisava de os mandar para a cadeia, iam de novo para casa para ao pé das mulheres e filhos, contentes, e se ficassem na cadeia tínhamos ainda que os alimentar e, além disso, ficarem presos não lhes fazia “emenda” e causava o descontentamento de todo o outro preto”.

-Ó Sr. Alvaro Rixa e eles aceitavam por bem?
-O sim, sim, todos me agradeciam “Obrigado, Sr. Administrador”. O que queriam era não ficarem presos e saber que ninguém mais iria, pelo que haviam feito, bater neles!

-E todos apanhavam de igual?
-Bem, claro, eu... alguns deles “eram espeeertos”(!!!!)..”Sr. Administrador, eu sou do Benfica” diziam, e traziam até camisolas e coisas do Benfica vestidas, e nem imagina como as mesmas eram disputadas e difíceis de arranjar, vendiam uns aos outros muito caro, e quando não tinham dinheiro que chegasse conseguiam-nas emprestado, que também não era fácil, e assim quando eu chegava: “Sr. Administrador está a ver, eu sou do Benfica”!

Convicções! Destas “estórias” se fez a História e, se calhar... cada um vê os seus actos, ou o seu efeito, como quer, ou conforme as suas motivações e/ou convicções. Das "estórias" de hoje far-se-á a História de amanhã. Conhecer o passado far-nos-á entender melhor o presente e prospectivar o futuro.

3 Comments:

Anônimo said...

Parece-me ter falhado uma parte, talvez um pequeno pormenor, nessa "estória": é que a dada altura, aos pretos foi dada a opção de mudarem o seu Senhor, mas, talvez iludidos por esse vermelho enganador, optaram por manter-se às suas ordens. Mas como diz muito bem o final desta "estória", o passado que sirva o presente, para no futuro se tomar as opções mais adequadas.

JC said...

Como os tempos mudam... Se fosse hoje, e fosse eu o tal Administrador, se o preto me falasse no Benfica ainda levava mais.
Refira-se que eu até sou benfiquista dos sete costados.

Bela posta, Zé.

XN said...

Hummmm ... a psicologia da autoridade ... caro Zé dos Anjos, nos dias que correm, acho é que acima de tudo há muitas "autoridades" a necessitarem de ir ao psicólogo, pois tal é o culto da personalidade que os mandantes nada estão preocupados com o passado, muito menos com o futuro - a não ser com o deles!