sábado, 23 de agosto de 2008

Introdução ao caril

Encontrei há dias numa página da Internet uma intervenção gastronómica extraordinária. Um fulano divulga nessa página uma receita de caril de camarão retirada de uma revista, mas vai adiantando que "ou o cozinheiro que planeou esta receita percebe tanto de cozinha como eu de engenharia aeroespacial, ou a tipografia enganou-se na impressão da revista e trocou os ingredientes". Na realidade, a receita usa coisas como alho, malagueta, gengibre, cominhos, coentros e açafrão-das-Índias. E o peremptório chefe apresenta mais à frente esta espantosa conclusão pessoal: "caril de qualquer-coisa, sem caril, para mim, não é caril de coisa-nenhuma, açafrão da Índia, penso eu e na minha modesta opinião, não é o mesmo que caril".

É altura para esclarecer uma coisa básica sobre caril. Ao contrário daquilo que muita gente pensa, o caril não é uma especiaria de sabor característico e cor castanho amarelado que se encontra por todo o lado à venda em frascos ou em pacotes. A palavra caril deriva de termos asiáticos que designam simples molhos ou cozinhados que utilizam vários condimentos ou especiarias. E o pó de caril é apenas uma invenção ocidental que se popularizou porque facilita a confecção de pratos com um sabor exótico.

O pó de caril é, efectivamente, uma mistura de várias especiarias. Como a variedade e quantidades parciais destas especiarias fica ao critério de cada fabricante, não há dois pós de caril exactamente iguais, embora pareça que todos sabem mais ou menos ao mesmo - ou seja, a "caril". Para aumentar a confusão, há duas plantas normalmente associadas ao caril mas que não têm a ver directamente com ele: a Helichrysum italicum (que tem um cheiro próximo do pó de caril industrial) e a Murraya koenigii ou "folhas de caril" (usada como aromática na cozinha asiática).

As especiarias mais vulgares e mais fáceis de conseguir em Portugal para utilizar em caris são a pimenta, os coentros (semente), os cominhos, o cardamomo verde (na foto) e o cravinho. A cor amarelada é obtida acrescentando curcuma (vulgo "açafrão-das-Índias"). Para aumentar o picante, utilizam-se malaguetas, frescas ou secas (por exemplo, piri-piri), bem como pimenta-de-caiena ou outras pimentas. Podemos ainda variar subtilmente o sabor global acrescentando outros produtos como canela, sementes de funcho, nós moscada, macis, gengibre, sementes de mostarda, paprica (colorau), entre muitos mais.

Como qualquer outro produto "enlatado", o pó de caril tem a desvantagem de não ser tão genuíno como o artesanal. Algumas marcas que por aí se vendem são mesmo más em termos de sabor. Assim, nada melhor do que sermos nós a preparar o nosso próprio caril a partir de especiarias naturais.

Uma coisa muito interessante é que no caril feito por nós o sabor pode variar bastante conforme utilizamos mais ou menos de cada uma destas especiarias. Podemos ainda evitar usar um ou outro produto menos atraente para o nosso palato. Além disso, podemos optar também em algumas variantes de confecção, como seja utilizar as especiarias moídas ou não moídas; ao natural, fritas ou ligeiramente torradas; secas ou em pasta ou molho de marinada, etc. Tudo isto nos dá, portanto, a possibilidade de experimentar diferentes combinações e optar depois pelas misturas pessoais e pelos processos que mais nos agradem.

Os produtos devem preferencialmente ser adquiridos e conservados em grão, isto é, não moídos. A maior parte deles pode ser comprada em qualquer supermercado na prateleira das especiarias. Há, porém, algumas dificuldades. Os coentros em grão só costumam ser encontrados na zona das... sementes hortícolas e de jardim. Desde há algum tempo que tenho encontrado cardamomo numa "secção exótica" do Jumbo. Mas o melhor é ir a uma casa especializada. Em Lisboa, podemos encontrar locais de venda destes produtos no Martim Moniz (nos túneis de acesso ao metro na estação do Socorro e num centro comercial anexo). No Porto, conheço uma loja na Rua de Cimo de Vila (fica à direita de quem desce da Praça da Batalha para a estação de São Bento, mesmo em frente do entroncamento da Rua do Cativo).

Finalmente, há uma outra confusão sobre a confecção do caril, que é pensar-se que qualquer caril tem de levar leite de coco ou um qualquer preparado à base de coco. O coco é apenas uma opção para obter um caril mais suave, podendo o sabor quente das especiarias ser também balanceado com vegetais (por exemplo, tomate, pimento, beringela, funcho), iogurte natural ou sumo de limão.

Deixo uma sugestão para uma iniciação ao caril caseiro. Não se espante se, ao provar, não souber a... "caril".

Caril
Preparar num pequeno prato a seguinte mistura de especiarias. Estas podem ser trituradas num almofariz ou numa máquina de moer, mas recomendo que não sejam moídas numa primeira experiência, excepto a pimenta. Isto tem a vantagem de se encontrarem os grãos ao comer, o que permite perceber melhor o sabor que cada especiaria confere ao todo. As quantidades são indicativas para 4 pessoas.

  • 1 colher de sopa de sementes de cominho
  • 2 colher de chá de sementes de coentro
  • 1 colher de café de pimenta preta moída no momento
  • 2 colheres de chá de curcuma (açafrão-das-Índias)
  • 2 cravinhos
  • 3 vagens de cardamomo verde (apenas os grãos internos)
  • um pouco de raspa de noz moscada
  • 1 malagueta vermelha (ou 1 colher de café de pimenta-de-caiena ou piri-piri) se desejar mais picante
Refogar em azeite uma cebola picada. Acrescentar depois a mistura de especiarias e deixar fitar durante 1 minuto. Juntar carne cortada em pedaços pequenos. Por razões culturais o borrego é a carne mais utilizada pelos povos do Médio Oriente, mas pode ser usado porco, vitela ou frango. Fritar durante 2 minutos mexendo sempre. Acrescentar um pouco de água (2 ou 3 colheres de sopa) para parar a fritura.

Juntar em seguida 2 dentes de alho picados, 2 tomates cortados em cubos, 1 iogurte natural e sal. Tapar e deixar cozer em lume brando até a carne ficar macia. Mexer de vez em quando e controlar o nível do líquido acrescentado água se necessário. É preferível que fique mais seco (molho grosso) do que excessivamente líquido. Se estiver muito líquido, deixe ferver um pouco mais sem a tampa até atingir uma melhor consistência. No momento de servir, juntar um raminho de coentros frescos cortados finamente. Acompanhar com arroz pilau.

O meu arroz pilau
Refogar uma cebola pequena em azeite. Juntar 2 vagens de cardamomo verde inteiras, 2 cravinhos, 6 grãos de pimenta, 1 folha de louro e 1 pau de canela. Fritar durante 1 minuto. Acrescentar água e sal. Quando a água ferver, juntar arroz basmati. Tapar e cozer durante 10 minutos exactos em lume brando.

Retirar do lume e escoar a água que ainda possa ter. Polvilhar um dos lados do arroz com um pouco de curcuma e o outro lado com mistura vermelha para tandori. Mexer de forma que os pós e o arroz se misturem um pouco mas não totalmente (a ideia é a mistura ficar tricolor). Deixar em repouso durante 5 minutos. Com um garfo, mexer com cuidado para soltar os grãos de arroz antes de servir. O arroz é servido com as especiarias, mas elas não se comem, principalmente o pau de canela e os cravinhos, dado o seu sabor muito concentrado.

Se não quiser um sabor mais acentuado a canela, pode tirar o pau imediatamente antes de juntar o arroz. A mistura vermelha para tandori pode ser encontrada numa loja especializada, mas é apenas opcional. Se não a conseguir arranjar, pode também substituir a operação de coloração final, adicionando 1 colher de chá de curcuma às restantes especiarias no momento da fritura.

4 Comments:

Anônimo said...

E c'um caril!
Wikipedia, put your eyes on this!

Anônimo said...

Há bons cozinheiros na tasca, há futuro garantido na cozinha!!!

Anônimo said...

Adoro caril Eduardo...já fiquei com ideias.
Agora o arroz pilau....desconhecia tal..:s...estamos sempre a aprender.
Vou experimentar, se não for bom , eu conto-tas!!!

Anônimo said...

Parabéns pelo blg!!
Foi de grande ajuda quando procurava pela definiçao de caril!
Vou experimentar a receita de borrego hoje!!
Muito obrigada!!