domingo, 13 de setembro de 2009

24 - Operação Moelas (VII)



O sol raiava já pelas altas janelas do armazém quando Parménides acordou, despertando com um travo amargo na boca semelhante àquele que lhe deixava o seu mata-bicho habitual carregado de testosterona – uma malga de Farinha 33.
Deu por si sentado numa cadeira, com as pernas amarradas aos pés desta e as mãos atadas ao encosto, sentindo um volume atrás de si.
- Sr Jack? Sr Jack, está aí?
- O Jack ainda está desmaiado, Parménides.
O jovem teve um aperto no coração, quando percebeu que estava a ouvir a voz de Cátia Vanessa!


* * *

- Meu S. Gregório, isto é terrível, uma tragédia, um drama, - o Silva andava de um lado para o outro do balcão, com as mãos na cabeça – um cataclismo, um drama... ah, não, esta já disse... eu não posso ficar de braços cruzados, eu não posso assistir ao fim da tasca sem nada tentar...
- Porque não experimenta fazer as moelas sem receita? - avançou o inspector Agostinho.
- Porque esta receita, inspector, é mais do que uma receita, é uma herança de família, tem passado de pai para filho desde que foi inventada pelo meu pai, possui fórmulas de delicado equilíbrio de ingredientes demasiado elaboradas para eu as saber de cor.

* * *
- Sim, fui eu que telefonei aos marroquinos para os avisar...- Parménides ouvia a explicação de Cátia Vanessa, igualmente amarrada a uma cadeira junto deles, e recusava-se a acreditar que um dos seus ídolos, a mulher que fazia as divinas pataniscas que o Silva vendia para fora, fosse capaz de tamanha malvadeza para com a tasca - ...tive de o fazer, para proteger aqueles que amo...
- Que história é essa? - perguntou Bauer, entretanto desperto.
- A verdade é que ninguém imagina os lucros fabulosos que o comércio de caracóis traz a quem domina o negócio. Os animais são comprados a € 0,80 o quilo e importados às toneladas para o mercado português, onde chegam às mesas dos cafés a um preço 16 vezes superior. O Sheik Al Mufada controla uma poderosa organização, sr Bauer, tem olhos e ouvidos em toda a parte e domina o mercado com mão de ferro, não admitindo que negócios como o da tasca do Silva lhe façam concorrência nos petiscos com uma receita de moelas.
- Mas o sr. Silva é tão simpático, coitado! - gemeu Parménides.
- Depois da organização ter raptado o Bigodes, o meu gato persa... – disse Cátia com lágrimas nos olhos – Eles ameaçaram capar o meu pobre bichano e não tive outra opção...
- Mesmo correndo o risco de levar o Silva à falência? - perguntou Bauer.
- Eu não podia fazer nada... e não pude suportar o sofrimento do Bigodes. Eu pensava que, no fim, mesmo que eu fosse despedida, poderia ganhar dinheiro alugando o Bigodes para inseminação, ele tem pedigree... Afinal, enganei-me, e agora querem também ver-se livres de mim! Estou tão arrependida...
* * *

Na sede do PITA:
- Tô? Silva? Tá tudo a andar, né? Claro, nem é preciso perguntar, o dr Aníbal faz questão de te cumprimentar em público para as fotos, já viste a publicidade, âhn?! O quê? Se podes servir peixinhos da horta? Mas que raio de conversa é essa, ó Silva?! Isso não pode ser, pah! As moelas têm uma imagem de força política que não se pode desperdiçar!... Agora cá peixinhos da horta... além do nome ser um bocado panilhas, isso remete para horta, não diz nada aos nossos eleitores, aqui ninguém tem hortas. Vamos lá a atinar, ó Silva, que isto não pode falhar, sabes que o dr. Silva quase que ia sendo agredido na última manifestação do 1.º de Maio... quer dizer, não foi bem agredido, mas ainda lhe vieram as lágrimas aos olhos... sim, tá bem, só chorou de um olho... bom, a bem dizer foi apenas um cisco...

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