sexta-feira, 10 de julho de 2009

Vertigens escondidas, risos ingénuos

A viagem está marcada para o dia seguinte, o que me deixa com uma ansiedade e um friozinho no estômago gostoso de sentir. É bom atravessar a fronteira, ir para um país estrangeiro, atravessarmos o rio e sentir que partimos para um mundo diferente. Apesar de, ao lá chegarmos, me parecer tudo tão igual ao que existe nesta margem onde nos encontramos. Talvez o cheiro do ar, das coisas, seja diferente. O que importa é o entusiasmo e as sensações que provocam cada nova ida a um país diferente do nosso.

A ponte que separa as duas margens, é estreita, de ferro e antiga, e estremece a cada passagem de um carro, obrigado a reduzir a velocidade, e a esperar a sua vez de avançar. Nas laterais exteriores da ponte existem umas estreitas passagens para peões, e são estas o motivo da minha angústia momentânea. Quando vamos de carro não me incomoda. Mas nunca ninguém me perguntou se a preferia atravessar a pé ou de carro. Embora a minha resposta a essa possível pergunta fosse a indiferença. Não pretenderia manifestar o meu medo de a atravessar a pé.

Avançamos numa caminhada lenta para a ponte, e já começo a sentir incómodo. Mal coloco o pé naquele chão feito de uma fina grade de ferro, que mostra claramente em baixo a água que corre no rio, sinto-me perder a noção de equilíbrio, como se me fosse afundar num abismo, como se o meu estômago saísse pela boca. Tento respirar fundo, o peito não corresponde, olho para cima, procuro ignorar a imagem que passa por baixo dos meus pés, apetece-me fechar os olhos, mas mantenho-os alerta para o trajecto na minha frente. Procuro rezas que me distraiam o pensamento, que me dêem força. Choro por dentro cada segundo que me parece não ter fim. E mantenho a postura de quem nada teme. Ninguém se apercebe do meu mal-estar. Morro de medo por dentro, e espero que ninguém dê por isso.

O alívio de chegar a chão firme é depressa ultrapassado pela sensação de estar num país diferente. Tento sentir este novo sítio, aperceber-me do que terá de diferente. Os passeios por onde caminhamos são feitos de placas de cimento em vez de calçada, acho piada, acho feio, mas encanta-me ser diferente, ser feio. Tudo me parece estranhamente diferente e igual. Reparo numa mosca que poisa. É diferente, colorida, é grande. Nunca tinha visto uma assim.

No regresso enfrento novamente a travessia da ponte, anseio sentir o medo, receio sentir o mal-estar, mas desta vez o trajecto parece-me mais curto, mais fácil, sinto que ganhei confiança, sinto que perdi algo também (embora não perceba bem porque me incomoda essa perda).

Descansamos num banco de jardim, quando vejo uma mosca igual à outra, grande, diferente, e entusiasmada com a descoberta exclamo: “Olhem, uma mosca estrangeira aqui!” Todos se riem, e eu sorrio. É bom quando consigo fazer os adultos rirem, mesmo sem entender de imediato como o consegui.

1 Comment:

EB said...

Ainda havemos de recordar estas pingas da tasca, um dia quando esta tasqueira for Nobel da Literatura.

Ó Zé Trolha, trás mais um pires de feijoca e mais uma rodada de minis estupidamente geladas!