sábado, 12 de julho de 2008

Ensaio sobre a cegueira


Olá, o meu nome é Parménides Juvenal e moro aqui no bairro. Ultimamente, moro também dentro de um pipo de moscatel na arrecadação da Tasca do Silva.

Eu até nem quero ser ingrato pela estadia que me têm proporcionado, mas a verdade é que tenho dois pensamentos que me incomodam neste momento. Quer dizer, três: primeiros, é a minha mãe, que é capaz de já estar preocupada por eu não aparecer há tanto tempo em casa. Segundos, não sei se o Ronaldo já casou com a Nereida ou não. Terceiros, já fazia uma mijinha.

Em relação à primeira, temo que com a preocupação de nunca mais me ver, a minha mãe comece a dar a minha colecção de penas de pombo para a obra de caridade do Padre Inácio, que as usa para produzir colchões (penso que já toda a gente deve ter ouvido falar nos famosos Colchões do Padre Inácio). A última vez que estive tanto tempo fora foi na 4ª classe, quando fizemos uma viagem de estudo ao Zoo e o porteiro teimou em não deixar sair a minha professora enquanto ela não largasse da mão um dos chipanzés, de modo que não teve outro remédio senão deixar-me lá e regressar com os meus colegas.

Felizmente a situação resolveu-se no mesmo dia, porque antes de sair do serviço, o porteiro acabou por me reconhecer e levou-me para casa. Às vezes dá jeito o nosso pai trabalhar como porteiro.

Em relação ao Ronaldo, a minha grande preocupação, como aliás a de grande parte dos portugueses, e até dos ucranianos que moram aqui no bairro, é de ordem geo-política, pois qualquer homem esclarecido não gosta de ver um símbolo da identidade portuguesa cair assim tão facilmente sob domínio da língua espanhola. Esta é que é a verdade e não tem nada a ver com o que se diz por aí, da clássica e masculina inveja que se tem do indivíduo que casa com uma gaja boa.

Isto da união de Portugal e Espanha são ideias lá do Saramago, que foi o último caso que me lembro de identidade portuguesa sob domínio espanhol, mas aí não havia grande problema pois o seu domínio da língua espanhola sempre era melhor do que o português com que ele escrevia.

Na caso do Ronaldo é capaz de ser pior, porque dizem que a Nereida tem um grande domínio da língua, o que pode ser extremamente sedutor para um homem. Digo-o com experiência de causa, pois bem me lembro quando vi, sem a minha mãe reparar, à porta da casa da madame Sissi, uma das suas funcionárias a lamber um calippo, descontrolei-me um bocadinho e tive de ir limpar a braguilha das minhas calças com uns kleenexes. Penso que a madame Sissi seja uma artista de variedades, daquelas que contam anedotas, porque fartam-se de entrar homens lá em casa, que saem pouco depois com um sorriso nos lábios.

Eu desconfio que a Nereida já leu Saramago, especialmente, o “Ensaio Sobre a Cegueira”, onde se conta sobre a praga duma cegueira branca, incurável e não identificada, que ataca toda a gente menos a mulher de um médico. Eu até acho que o Saramago se inspirou na mulher do doutor Anacleto, o médico aqui do nosso posto de saúde, porque a minha mãe diz que ela é que tem “dois olhinhos e o Anacleto anda cego”, cada vez que a vê passar de braço dado com um tipo alto e musculado, nas horas em que o marido dá consulta no posto. Eu só acho esquisito que um médico cego possa exercer medicina, mas por mim, tudo bem.

Foi no “Ensaio Sobre a Cegueira”, que o Saramago deu a táctica para a Nereida :“Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara”, e vai daí ela olhou o Ronaldo, viu a fortuna e reparou na sua reforma. Pimba. Por que no te callas? E ele calou-se.

A minha situação neste momento é outra semelhança com o livro do Saramago, mais ou menos como uma cegueira branca, mas ao contrário. Vejo tudo preto no fundo desta pipa.

Se alguém me pudesse ajudar a sair, não precisavam de se incomodar mais, eu até ia andando para casa. E também já bebia um copo de leite morninho.

6 Comments:

Pinto Madeira said...

..e ias fazendo a mijinha,nao???
(5*)

Anônimo said...

Eu diria que o cheiro que te rodeia está a infiltrar-se nesses neurónios, o que te apura a imaginação;).
Ainda te vamos contratar, eu e a PM para os "1001 Sabores - Produções Imaginárias".
Note-se que nada tem a ver com o tal de "Sabores do Mundo".

PJ said...

Eu até ía, mas não sei se a minha mãe deixaria que eu fosse trabalhar numa empresa com duas mulheres...ainda mais com um nome "imaginário"...era capaz de ser demasiado libidinoso...

Anônimo said...

Endrominamos mamãe né?!!!!..e garantimos leitinho morninho para os próximos 5 anos...a ver se ela não cede.
:o..tás mto Freudiano Parménides!!!! Deve ser do odor da pipa!!!

PJ said...

Leite morninho para 5 anos?...oh ignomínia! oh, perfídia! oh, dúvida que se instala...que faço eu, meu deus, que faço eu?...
(...)bom, para já, fazia uma mijinha, se pudesse.

Anônimo said...

A algália Parménides?
A tua mãe vai te dar tau...ihihiihih...mijão!!!!