domingo, 31 de janeiro de 2010

Introdução à rapidinha

Ora aqui estão duas palavras que poderão induzir o espírito sexualmente avassalador de muitos jovens dos dias de hoje a poisarem erradamente neste post, quais mosquitos à procura de sangue fácil, fazendo aumentar exponencialmente as visitas a este estabelecimento. Chama-se a isto, meus amigos, de marketing foleiro, vulgo publicidade enganosa.

Convém portanto desenganar os petizes, pois aqui o que se discute é deveras importante, pelo menos para um quarentão, cujo prazer vai muito para além duma queca cronometrada pelo intervalo de tempo observado entre a passagem de pessoas num vão de escadas qualquer.

Posso, no entanto, introduzir aqui um novo elemento, o qual de alguma forma pode influenciar a permanência dos ditos putos, se bem que por apenas mais alguns segundos – o buraco!

Pura ilusão portanto, porque afinal do que quero falar é do furo, que não do anatómico, mas apenas e só do televisivo.

Afastados os mosquitos, o que hoje me traz por cá, pasmem-se, é a REVOLTA!

Quem é que ainda não se sentiu possuído por uma vontade enorme de meter as mãos pelo ecrã da televisão adentro, agarrar o pivot pelos colarinhos e acertar-lhe com uma valente cabeçada nos cornos? Fodê-lo, basicamente (olha, voltaram os mosquitos)!?

Pois foi assim que eu me senti um dia destes, quando tenho o azar de estar com a televisão ligada, para cúmulo enquanto jantava, e oiço que o Abel Xavier se tinha convertido ao Islamismo.


Aqui está a diferença de mentalidades – enquanto que para um qualquer director de programas aquilo era um potencial furo jornalístico, para mim não passou de alguém que invadiu a minha privacidade, ousando introduzir-me dois dedos na boca e provocando em mim um forte desejo de vomitar.

Não se trata aqui de criticar as opções religiosas de cada um. Calma aí Sr. Bin Laden, deixe lá estar os seus jagunços ocupados nas guerras com os Americanos, pode ser? Do que se trata, é que, se já sentia a minha integridade mental fornicada (oops) pela visão ensombrara de um preto com barba amarela e cabelo espetado de cor condizente, agora necessito urgentemente de uma camisa de forças, ou não tivesse chegado a excentricidade ao seu ponto máximo, que foi o de se trocar o nome que os nossos Paizinhos nos deram com tanto amor e carinho. Conhecem aquela anedota estúpida e mais do que gasta de um individuo que vai à Conservatória trocar de nome, pois chamava-se António Merda e preferia chamar-se Manuel Merda?… Quando vemos um individuo a querer chamar-se de Faisal, em vez de Abel, percebemos que afinal o humor continua de rastos.

É por essas e por outras, que me desculpe o Sr. Bin Laden (e vejam como subrepticiamente aumentei ainda mais a possibilidade deste blogue vir a ser visitado por pessoas de todo o mundo… e arredores, isto para quem acredita em UFO), que eu ainda prefiro a cultura americana, ou não tivessem eles por lá um boneco, de seu nome Bart Simpson, o qual consegue ser bem mais inteligente que qualquer outro boneco de carne e osso!



domingo, 10 de janeiro de 2010

Frédéric Mesnier - Medieval Song

Frédéric Mesnier é um cidadão francês que toca guitarra e compõe música para este instrumento. No seu site, este artista, que é praticamente autodidacta e não é músico profissional, divulga livremente a sua música sob as mais diversas formas: pautas, tablaturas, ficheiros mp3, vídeos, códigos para incorporação em páginas da Internet, aplicações para partilha nas redes sociais...

De entre as suas composições, encontrei uma muito bonita de sabor medieval que é um sucesso no Youtube, nesta altura com mais de meio milhão de visualizações. Para distinguir entre a música ouvida e a música "vista", vale a pena fazer um exercício de dupla audição, primeiro sem imagem e depois em vídeo com o próprio compositor a tocar.

Áudio

<a href="http://fredericmesnier.bandcamp.com/track/medieval-song">Medieval song by Frederic Mesnier</a>

Vídeo

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

… Énda épi niú iar!

Grande PJ, grande PJ, quem sou eu à tua beira? … Um estúpido passarinho, que se esborracha numa das turbinas do teu cérebro supersónico? … Um camelo sem bossas? … Uma varejeira sem asas? … Um homo neanderthalensis, mas sem a parte do sapiens? Obrigado pela tua prestação ao longo deste ano e que tenhas um grande 2010 … com muita coisa quentinha para te “aconchegar”, que não propriamente e apenas collants e leite.

Obrigado também aos restantes co-tasqueiros, pois mais não seja ajudaram a colorir os dias de muitas pessoas.

À Frente. O que me trás por cá, é esta questão de todos desejarmos um novo ano cheio de saúde, paz, amor e prosperidade, esquecendo-nos muitas das vezes de olhar para trás e ver/aprender com o que se passou.

Pois o que se passou não foi propriamente um “annus horribilis”, mas uma coisa ali por perto, a que eu atrevo-me a chamar de “annus rascus”, a saber:

  • Susan Boyle, 48 anos, até então uma ilustre desconhecida, celebriza-se num concurso de música lá nas terras de sua majestade, mas acaba por ficar à rasca na final, a qual perde para um desses grupos de gajos quaisquer, cuja boa figura só serve para alimentar certas indústrias rafeiras;

  • Em contrapartida, e com apenas mais duas primaveras, finou-se essa figura mundial da musica pop, de seu nome Michael Jackson (Miguel, o filho de Jack), tendo-se apurado na autópsia que o seu corpinho danone já estaria à rasca com tanta absorção de medicamentos;

  • Por falar em brancos, nos EUA chega à presidência um afro-americano, o qual ainda arrebata, como brinde-surpresa a abrir mais daqui a uns tempos, um belo dum prémio Nobel da Paz. Escusado será dizer que essas eleições deixaram muita gente à rasca;

  • Entretanto, e para que a tremedeira não desse lugar a um cataclismo, o Xôr Presidente lá fez um arranjinho em Copenhaga com mais dois ou três artistas. Pois sim senhor – “As emissões de dióxido de carbono fazem mal ao planeta, mas se este não estiver bem que se ponha, até porque quem manda aqui somos nós e não se fala mais nisso, ai a porra já, vamos mas é acabar isto, que eu estou à rasquinha para ir ao WC!”;

  • Porra, porra, foi aquela história do BPN e BPP, principalmente para certos depositantes, os quais, segundo os próprios coitadinhos, estarão à rasca para sobreviver sequer;

  • Ao contrário daqueles, houve um individuo - aquele que ganha dinheiro a dar pontapés numa bola e que ao mesmo tempo ainda consegue fazer outra habilidade, que é a de falar com uma batata na boca - o qual embolsou a módica quantia de 94 milhões de euros, imagine-se, só porque trocou de camisola! Como se sentirão no meio disto tudo aquelas Senhoras de etnia cigana, as quais vêem as clientes mudar de camisola e que no fim acabam por nada comprar? À rasca, pois claro;

  • O que eu propunha às ciganitas (com todo o respeito), era que trocassem de negócio e se dedicassem à venda de sucata. Isso sim, isso é que está a dar. Bem sei que, caso o negócio não seja bem feito, há sempre a possibilidade de perdermos a galinha dos ovos de ouro e ficarmos novamente à rasca, restando-nos pegar numa vara e ir para as feiras pedir, de preferência com cara de vítima;

  • Quem nunca precisará de pedir, dinheiro, claro está, é o escritor hispano-português José Saramago, o qual, mesmo à rasquinha presume-se, ainda conseguiu escrever “Caim” (coin, em inglês), livro em que basicamente desanca na única religião que ele ainda teme ser mais forte que a por si (mal)criada;

  • Malcriada, segundo as más-línguas, seria a D.ª Manuela Moura Guedes para com os políticos e outros que tais, a qual viu o seu jornal de sexta suspenso e assim também se viu forçada a entrar de baixa, isto porque, segundo as mesmas más-línguas, andaria à rasca de dinheiro e, já que não se pode lixar o Estado de outra forma, pelo menos tira-se-lhe umas patacas;

  • Pelo meio tivemos eleições internas e foi o que se viu – Numas ou noutras, todos eles andaram à rasca. Só não viu quem é cego;

  • Quem nunca mais tornará a ver (o que, a continuar assim o estado das coisas, nem faz grande diferença), são aqueles seis desgraçados que tiveram o azar de ir parar ao Santa Maria. Já não lhes bastava o martírio de irem para os centros de saúde de madrugada, isto para terem uma vaga à rasca? Sinceramente!;

  • Bem sei que nem tudo são tristezas e ainda bem que o Astérix e o Obélix continuam a brindar-nos com as mil e uma maneiras de afiambrar romanos, isto há 50 anos. Não se tratasse de duas figuras míticas e o Berlusconi andaria à rasca, pois já se sabe que levar com um menir nos cornos deve ser bem mais doloroso que apanhar com uma miniatura de um edifício qualquer nas beiças;

  • À rasca, à rasca, andamos nós durante o ano com esta história da gripe A, efeméride que transformou um simples espirro num acto proibido de se efectuar em público, o que não foi mau para todos, nomeadamente os que sofrem de incontinência “flatal”, coisa nada admissível (e assumida) em público desde há muitos anos, muito menos se tal situação ocorresse num elevador;

  • Claro que, como em todos os posts que fui publicando ao longo do ano, também este haveria de acabar a cheirar mal e por isso volto ao FUTEBOL. Ora, não é que a nossa selecção lá se apurou para o mundial à rasca!? Eu sei, já não podemos com tanto pontapé na bola, mas estejam descansados, pois ou é de mim, ou tenho o pressentimento (um feeling, portanto) que depressa eles vêm de malas aviadas.

Muito mais haveria para relatar, mas fico-me por aqui (aleluia), não sem antes dizer-te, ó 2009, que até gostava de te deixar um “porreiro pá”. No entanto, e como te portaste mal, lamento só poder oferecer-te isto:

Bom ano para todos!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

ui uíxu a mérri crishmas!


Olá, o meu nome é Parménides Juvenal e moro aqui no bairro.
Bem sei que não devia andar na rua a esta hora, mas vim aqui à tasca num instante comprar aguardente para a minha mãe, que está a fazer uns sonhos de Natal, por isso não posso demorar porque senão ela fica preocupada.
Parecendo que não, se eu demorar muito, a massa leveda sem aguardente e depois os sonhos já não sabem ao mesmo.

Só tenho boas recordações do Natal. Aliás, um dos momentos altos da minha vida foi quando fui escolhido para a peça de Natal da escola, e calhou-me logo o importante papel duma pedra, na qual se sentava o pai do menino Jesus. Por acaso tive sorte, porque esse papel estava destinado a um banco de madeira, mas que à última hora não pôde participar por ter partido uma das pernas.

Noutro Natal, recebi uns dos melhores elogios que ouvi até hoje. Chamava-se Susana, tinha sardas e eu estava completamente apaixonado pela forma carinhosa como ela gritava "Sai da frente, inútil", enquanto subíamos as escadas para a sala de aulas. Recordo-me como se fosse há 20 anos, quando ela olhou para mim, eu na aula de ginástica, com colants verdes (eram mais quentinhos e o pavilhão era um bocado frio) e diz-me “Para pinheiro de Natal só te faltam as bolas”...
Senti-me levitar de paixão como uma bola de sabão!
Isto pode parecer um pensamento muito erudito mas reconheço que tenho sido influenciado pelos livros do Lobo Antunes que leio (mas escondidos entre as páginas da Playboy, não vá o meu pai apanhar-me a ler coisas que fazem mal aos olhos).

Bom, mas fico por aqui, espero não ter incomodado, vou andando, desejo um feliz Natal a todos os senhores e senhoras e também àqueles que, segundo o meu pai diz, pegam de empurrão.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Um sonoro silêncio

O compositor austríaco Anton Webern pertenceu ao conjunto de autores que, no início do século XX, encaminhou a música na direcção da atonalidade, isto é, a ausência de harmonia baseada nos acordes tradicionais.

Alex Ross, no seu livro O Resto é Ruído, descreve de forma muito interessante um trecho da obra Seis Peças, opus 6 de Webern, composta em 1909-10. Aqui fica a descrição e um vídeo, no qual a passagem a que Ross se refere tem início aos 3:50 e demora cerca de 4 minutos.

A meio da sequência há uma procissão fúnebre que começa com uma agourenta tranquilidade, com um ressoar de tambores, de gongos e de sinos. Diversos grupos de instrumentos, entre os quais predominam os trombones, gemem acordes de cariz inerte e contido. Um clarinete toca uma melodia aguda, lamuriante e envolvente, em mi bemol. Uma flauta alto responde com timbres baixos e roucos. Uma trompa e um trompete produzem em surdina outros fragmentos líricos e acordes subterrâneos. É então que os trombones soltam um grito e os sopros e metais os seguem. A peça termina com uma sequência esmagadora de acordes de nove e dez notas, após as quais a percussão inicia o seu crescendo que culmina com um rugido que liquida qualquer tom. E assim começou a idade do ruído. (...)

As obras de Webern estão suspensas num limbo entre o ruído da vida e o silêncio da morte. A facilidade com que um se funde no outro significa que das suas obras emana uma percepção filosófica clara e profunda. O crescendo na marcha fúnebre da Opus 6 está entre os fenómenos musicais de maior volume sonoro da história, mas ainda mais sonoro é o silêncio que se lhe segue e que fere os ouvidos como um trovão.



Alex Ross
O Resto é Ruído - À Escuta do Século XX
Casa das Letras, 2009

Anton Webern
(1883-1945)
Seis Peças, opus 6
Orquesta Joven de la Sinfonica de Galicia (OJSG)
David Ethève (maestro)

domingo, 13 de dezembro de 2009

Carbonara de curgetes

Tenho sérias dúvidas sobre qual a melhor grafia para esta variedade de abóbora de nome afrancesado. Corgete, curgete ou courgete? Opto pela proposta do dicionário da Priberam. Em contrapartida, não tenho dúvida alguma sobre a enorme qualidade gastronómica que este fruto imprime a algumas receitas.

É o caso desta carbonara (hum... isto parece ser italiano) que adaptei depois de a pescar num programa de televisão de Jamie Oliver (este é inglês - eis a Tasca Global!). Simples, fácil, rápida e deliciosa.


Ingredientes (para 4 pessoas)

2 curgetes
150 g de bacon
300 g de massa tipo penne
2 ovos
1 pacote de natas (200 ml)
queijo parmesão ralado
alho
tomilho
azeite
sal
pimenta


Receita

Lavar e cortar as curgetes ao meio e depois em quartos. Retirar a parte central que tem as sementes. Cortar depois cada quarto de curgete em tiras diagonais (de tamanho semelhante ao da massa penne).

Num recipiente, juntar duas gemas de ovo, as natas e o queijo parmesão ralado (cerca de 3 colheres de sopa).

Cozer a massa em água temperada com sal. Escorrer e reservar cerca de meio decilitro da água da cozedura.

Num tacho largo ou numa frigideira alta, fritar o bacon numa colher de azeite. Acrescentar o alho picado. Juntar as tiras de curgete. Temperar com tomilho e pimenta. Deixar as curgetes fritar 5 a 10 minutos, de forma a ficarem cozidas mas um pouco rijas.

Juntar a massa e mexer, envolvendo bem todos os ingredientes. Retirar do fogão e juntar a água da cozedura da massa e a mistura dos ovos, natas e queijo. Mexer bem até a mistura ficar cremosa.


sábado, 12 de dezembro de 2009

Claimeitegueite

No momento em que decorre a Conferência sobre Alterações Climáticas em Copenhaga, é altura para lembrar o caso Climategate. Em Novembro passado, pessoas desconhecidas acederam a um computador do CRU (Climatic Reserch Unit), em Norwich, Inglaterra, tendo obtido e divulgado e-mails confidenciais que mostram que alguns "cientistas" têm deturpado os dados tornados públicos sobre o aquecimento global, exagerando o fenómeno.

Este caso junta-se assim aos argumentos que vão no sentido de que o aquecimento global é uma grande treta ou, a haver algum aquecimento, ele não deriva da actividade poluente dos seres humanos.

Já sabemos que há coisas que não são o que são. Por isso, devemos cultivar o cepticismo. Ser céptico permite ver as coisas para além daquilo que elas parecem ser. Pelo menos algumas. É por sermos cépticos que "o mundo pula e avança". Mas fica uma sempiterna dúvida. Onde pode parar o cepticismo? Neste caso concreto, devemos acreditar que os e-mails comprometedores e a fraude científica existem mesmo?

A controvérsia está, mais do que nunca, acesa. O que pode muito bem ser uma das causas do aquecimento global.

A dralien day

Para mim, os melhores jogos de computador são aqueles em que o jogador não tem que usar a destreza motora, mas, em vez disso, tem de ficar a olhar para o ecrã a tentar resolver situações enigmáticas, fazendo uso de capacidades como o sentido de observação, a intuição, a inteligência, a imaginação, o sentido de humor e o nonsense.

A Dralien Day é uma deliciosa miniatura em palataforma flash jogável na Internet. Em apenas meia dúzia de níveis muito simples, combina o melhor do género com uma sessão de um inofensivo shoot'em up.

Para não aborrecer muito os mais impacientes, até tem ajuda com a solução de cada nível. Mas não a usem. Resolver o enigma sem ajuda é muito mais emocionante.


domingo, 22 de novembro de 2009

24 - Operação Moelas (X) finalmente...o fim.



“Cozem-se as moelas sem sal durante 30 minutos. Depois de cozidas cortam-se aos poucos e levam-se num tacho ao lume juntamente com a cebola, o alho, o azeite e as folhas de loureiro. Quando a cebola e o alho começarem a alourar, juntar a cerveja e deixar ferver. Em seguida deita-se o molho de tomate, na quantidade que preferir (depende da maneira como quiser o sabor do molho das moelas, a saber a tomate ou a saber mais a cerveja). Junta-se o vinho branco ou o whisky, cerca de 2 ou três colheres de sopa e o sal q.b. e deixa-se apurar o molho. Juntar ao molho 2 colheres de sopa de farinha maisena, dissolvidas em água, de modo a este engrossar”...

* * *

Podendo parecer repetitivo, ou falta de imaginação do autor, a verdade é que pela segunda vez naquele dia, dir-se-ía que o mundo havia parado a sua rotação e a vida interrompido o seu curso, à excepção dos rápidos movimentos de Jack Bauer que provavam a razão de Einstein dizer que espaço e tempo eram relativos. No tempo em que Cátia Vanessa levou a ler a receita (além dos balanços da viatura, não podemos esquecer a tremura das suas mãos perante a responsabilidade), Bauer conduziu a carrinha pelo parque de campismo adentro, conseguindo despistar os seus perseguidores e, ao mesmo tempo, deitar a mão a um fogão Camping gás, uma garrafa de cerveja, outra de vinho branco, aos temperos necessários às moelas e a um soutien de uma rapariga gorda que tomava banho atrás de uma roulotte.

Todo esse material, à excepção do soutien, foi utilizado por Cátia Vanessa, coadjuvada por Parménides Juvenal, que fizeram da traseira da carrinha do talho um laboratório de criação artística, pois de arte se trata quando se fala das moelas à Silva, pitéu gastronómico referenciado em várias publicações da especialidade, nomeadamente, a Gazeta Gastronómica de Curral de Moinas e o suplemento culinário da Dica da Semana.

Bauer guinou à esquerda, entrando na Rua dos Almeidas, a qual penetrava no coração do bairro e ía desembocar directamente em frente à Tasca do Silva. Consultou o seu cronómetro de pulso, uma bela peça de relojoaria de design italiano, precisão suíça e comprado na loja do sr Ping Xixi. Faltavam poucos minutos para o meio dia. A tensão crescia. Cátia Vanessa apurava o tempero das moelas. Os segundos iam correndo. Pelas costas do Silva corriam gotas de suor frio. Quase se podia ouvir o bater dos corações. Tensão no ar. Uma multidão aguardava que fosse servido o petisco após o discurso de Aníbal Silva. Mais um minuto passara e parecia cada vez mais perto o primeiro incumprimento eleitoral do candidato, que dissera claramente à imprensa, que ao meio dia estaria servido o ex-líbris da tasca e do bairro. E foi nesse momento que...

...a mãe de Parménides atravessou a rua, procurando pelo filho que não via há quase 24 horas e pela garrafa de tinto que, infelizmente, com ele desaparecera.
Uma fracção de segundo. Foi tudo quanto Bauer teve de antecedência para torcer violentamente o volante, levando a carrinha frigorífica a equilibrar-se momentâneamente em duas rodas antes de se desviar de encontro a um poste de iluminação, por sinal já com a lâmpada fundida. A força centrífuga criada pela curva, adicionada à energia cinética libertada pelo choque, numa proporção que este autor não consegue descrever, mas que qualquer físico poderá calcular com precisão, fez abrir as portas traseiras do veículo, projectando Parménides pelo ar como se de um frisbee se tratasse.

E foi assim, que Parménides Juvenal, num voo elíptico, passou no espaço aéreo por cima de sua mãe, agarrado a um tacho de deliciosas moelas prontas a comer, entrou pela porta da tasca, aterrando precisamente por baixo da comprida mesa de cerimónia, junto aos pés do Silva, o qual tratou de pegar no tacho e o colocar no centro da mesa, marcavam os relógios 11 horas, 59 minutos e 59 segundos.
- Aqui tem o que pretende – disse o dono da Tasca para Aníbal Silva.
O candidato franziu o sobrolho,na dúvida se ele se referia às moelas ou ao tacho...em sentido figurado.



Nessa noite, Parménides Juvenal pôde finalmente gozar o conforto do seu lar, sentado aos pés do maple onde sua mãe fazia renda, enquanto ambos viam a novela das 10, embora o jovem sentisse já os seus olhitos sucumbindo ao sono, quer por efeitos do cansaço quer por resultado do leite morninho que bebericava.
- Ai, meu filho, não imaginas as ralações que passei por tua causa...tentei ligar-te para o telemóvel e não respondeste...
- Ó mãe, desculpa, devo tê-lo perdido nalgum lado!
- Vou fazer-te uma bolsinha em malha para trazeres o telefone sempre contigo à cintura!
- Não sei se é boa ideia trazer o telemóvel à cintura, mãe, preocupa-me o que dizem por aí sobre as radiações...
- E tens medo do quê, filho?! De ficar estéril? O teu pai também o era e não foi por isso que tu deixaste de nascer...

sábado, 31 de outubro de 2009

Realidades

I.
Brinco só no meu quarto, alheia aos brinquedos, embrenhada na imaginação, que me leva a um mundo que me parece tão real, e tão mais interessante que este onde vivo. A minha mãe vem ter comigo e diz-me que vão ao café, ela e o meu pai. Parece-me indiferente esta indicação, mas assim que oiço o fechar da porta uma sensação de satisfação invade-me. Só, nesta casa com tantos recantos e objectos escondidos que nunca vi. Dirijo-me então aos locais da casa geralmente “proibidos” a brincadeiras, e exploro, cada gaveta, cada armário, por baixo da cama, em cima da cómoda, tudo o que me é normalmente vedado tocar, está agora à minha disposição. Fechada em casa, totalmente livre, dona do momento.

II.
Desde que vi aquele olhar vivo e brilhante dirigido a mim ao abrir aquela caixa, nunca mais tive sossego. Aterrorizava-me saber que naquele armário, na casa onde me encontrava, onde tinha de comer e dormir todos os dias, se encontrava aquilo, aquele olhar, aquele olho de uma vivacidade que parecia querer hipnotizar-me de tal forma que me fitava. Tinha de me livrar deste terror que se instalara em mim desde o dia daquela descoberta. Assim que me vi de novo sozinha em casa, e sem pensar, dirigi-me ao armário e retirei do fundo do mesmo aquela pequena caixa de metal com fotos antigas e documentos amarelados, retirando dentro dela, com a ajuda de um lenço e sem olhar, o motivo do meu medo, e deitei de imediato no lixo. Sensação de alívio. Finalmente livre daquele olhar que me atormentava.

III.
O meu pai sempre gostou de falar dos seus antepassados. De gente que nunca conheci, e da qual me tenta mostrar orgulhoso em esquema quem é quem, que parentesco tem de quem, nomes, locais, e muita coisa à qual tento mostrar-me interessada, mas à qual não consigo encontrar entusiasmo para apreciar. No meio da conversa oiço algo de alguém que tinha um olho de vidro. Um pânico interior gera-se em mim, como se algo gelado me percorresse o corpo por dentro à medida que tomo consciência da situação. Apercebo-me do meu acto impensado. Naquela caixa que continha recordações de antepassados, havia um pequeno objecto que tinha pertencido a alguém, que alguém pretendeu guardar, que tinha um valor muito especial para alguém. Aquele objecto cujo realismo me tinha assustado, por isso mesmo, por ser sua intenção ser o mais real possível, era uma peça guardada por motivos que agora me eram claros. Peça que… desapareceu!

24 - Operação Moelas (IX)...sim, está quase...



Moça roliça, porém resoluta, Cátia Vanessa decidiu que não seria um qualquer mal-encarado que a impediria de voltar à liberdade na companhia do seu Bigodes, pelo que, surpreendentemente até para si própria, pregou uma valente lambada no indivíduo, semelhante às que fornecia aos clientes do Silva quando se faziam esquisitos para pagar a despesa, suficiente para que o marroquino, por um lado, perdesse 2 dentes e uma lente de contacto, mas por outro, ganhasse um hematoma tamanho familiar no olho esquerdo e uma contusão ao bater com a cabeça num bidon, que o colocou fora do caminho.

Os dois fugitivos escaparam dali o mais depressa que puderam e Cátia deu a mão a Parménides para que passassem o umbral da saída. Juvenal corou, mas até hoje não foi possível apurar se isso se deveu à experiência carnal ou à excitação da corrida. Já no exterior, olhando em ambos os sentidos, não viram Jack em lado nenhum.
De repente, surgindo a grande velocidade, uma carrinha frigorífica branca, com letras vermelhas na carroçaria a dizer “Talhos Dona Rosa-A Chicha Mais Saborosa”, tentou dobrar a esquina sob o protesto dos pneus, que guincharam no pavimento até o veículo se imobilizar à frente dos dois. A janela do condutor desceu e dentro da cabine surgiu a cabeça de Bauer, que gritou:

- Subam! Não temos tempo a perder!
Passageiros acomodados, de novo chiaram os pneus quando Bauer pisou o acelerador, a caminho da tasca.
- Onde é que arranjou este transporte? - perguntou Cátia Vanessa, segurando o seu gato enquanto deslizava no banco corrido, após mais uma curva brusca.
- Quando estava no armazém, vi passar o reboque da polícia com ela atrelada, pelos vistos estava mal estacionada, e percebi que estava aqui a nossa hipótese de salvar o Silva.
- Deixe-me ver se percebi, a polícia autuou um veículo, ía a rebocá-lo e você foi lá pedi-lo emprestado?!
- Disse-lhes que era um assunto de segurança nacional...e pedi por favor.
- E eles entregaram o veículo? - perguntou Parménides a caminho do enjoo.
Bauer olhou pelo retrovisor e vislumbrou dois grupos de sirenes que, lá ao fundo, ganhavam terreno na perseguição à carrinha frigorífica.
- ...uhn, não exactamente!

Calcou de novo o acelerador e atravessou em linha recta um cruzamento com a destreza de um condutor indiano na hora de ponta em Bombaim, a mesma destreza que os outros condutores não tiveram, pois ouviram-se várias travagens prolongadas que acabavam com o som de metal a bater.
- Ouçam,- disse Bauer conferindo novamente o retrovisor e verificando que já meia divisão policial seguia no seu encalço – esta carrinha tem a solução. Lá atrás temos vários quilos de moelas, temos a receita, portanto, podemos prepará-las para que cheguem à tasca precisamente ao meio dia, quando começar o evento!
- Preparar as moelas onde? Aqui dentro, não? - interrogou Cátia Vanessa.
- Sim. Não se preocupem, eu tenho um plano.
- Eu também tenho um plano... poupança-reforma, mas só lhe posso mexer aos 65 anos e quero lá chegar viva! É a ideia mais estapafúrdia que já ouvi na minha vida, e mesmo que fosse possível, como as iremos fazer? Pois se a receita é secreta, não é suposto que a possamos ler...
- Ouça, não sei se o Parménides sabe cozinhar ou não, mas eu não sei, portanto o futuro da tasca está nas suas mãos. E não se esqueça do seu papel nisto tudo...ninguém tem de saber, entende?...Eu só quero sossego, posso esquecer-me de contar ao Silva se tiver, digamos, alguém que me lave os cortinados uma vez por ano. O que me diz?

Vanessa meditou e no seu íntimo soube que era a oportunidade ideal para se redimir do apoio que tinha dado ao plano de Al Mufada.
- Ok, eu faço as moelas – assumiu, não sem sentir um nó na garganta, enquanto pegava no papel da receita das moelas à Silva, com o cuidado devido a uma relíquia bizantina.
Em breve, pela primeira vez, alguém fora da linhagem Silva desvendaria um segredo com anos de história, de mistério, de suor, lágrimas e dores de barriga, algo que muitos tinham tentado alcançar sem conseguir. O nervosismo e a responsabilidade fizeram-lhe tremer as mãos, quando Cátia começou a ler o papel:
- Ingredientes...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Tasqueiros e bastonários


A propósito disto aqui, lembrei-me desta história:

Uma empresa entendeu que estava na hora de mudar o estilo de gestão e contratou um novo Director. Este veio determinado a agitar as bases e tornar a empresa mais produtiva.

No primeiro dia, acompanhado dos principais directores e coordenadores, fez uma inspecção a toda a empresa. No armazém todos estavam a trabalhar, mas um rapaz novo estava encostado à parede com as mãos nos bolsos.

Vendo aí uma boa oportunidade de demonstrar a sua nova filosofia de trabalho, o novo director geral perguntou ao rapaz:

- Quanto é que ganha por mês?

- Trezentos euros, porquê? - respondeu o rapaz sem saber do que se tratava.

O administrador tirou os EUR 300,00 do bolso e deu ao rapaz, dizendo:

- Aqui está o seu salário deste mês. Agora desapareça e não volte nunca mais! Esta empresa não tem lugar para si!

O rapaz guardou o dinheiro e saiu conforme as ordens recebidas.

O administrador, então, encheu o peito e, orgulhoso da atitude que serviria de exemplo, pergunta ao grupo de operários:

- Algum de vocês sabe o que este sujeito fazia aqui?

- Sim Senhor - responderam admirados os operários - Veio entregar uma pizza...



MORAL DA HISTÓRIA:

"Há pessoas que desejam tanto mandar, que se esquecem de pensar"

domingo, 11 de outubro de 2009

24 - Operação Moelas (VIII)


- Então – concluiu Bauer após ouvir as explicações de Cátia Vanessa – quer dizer que isto é uma questão de concorrência, não tem ligações políticas?
- Claro que tem ligações políticas, sr Bauer! - disse um indivíduo alto e moreno, saindo da penumbra, juntamente com dois capangas armados – Quem é que pensa que vai financiar toda a campanha de reeleição de Aníbal Silva? Não se iluda, sr Bauer, tudo na vida é política e o encerramento da tasca do Silva é apenas um meio para atingirmos os nossos fins, assim também glorificando Alá. Palavra de Saihd.
- Mas isso não é justo! - argumentou Parménides.
- Cala-te infiel! Justo é o elástico das cuecas da tua mãe impura.
Parménides pensou que o indivíduo estivesse a falar com alguém fora do seu campo de visão, pois ele não se chamava infiel e sua mãe era uma senhora de bem que usava cintas adelgaçantes e não cuecas apertadas.

Bauer tentou soltar uma das mãos e, ao tentar, deu com o bolso traseiro de Parménides, onde repousava um inocente corta-unhas, que nas mãos treinadas do ex-agente, em breve se transformaria numa horrível e eficiente máquina de morte. Jogando tudo na psicologia, segundo a escola de pensamento de José Mourinho, Bauer tentou ganhar tempo:
- E o plano do Sheik Al Mufada é?...
Orgulhoso por poder mostrar a sua superioridade aos ocidentais, Saihd sorriu com desdém:
- Digamos que o Sheik está seguro que o presidente Silva vai ganhar e que também está seguro que, depois da reunião intermediada pelo primo do presidente, este não se irá opôr a dar um parecer positivo à construção de um shopping nos terrenos, actualmente considerados zona verde, do jardim Arqº Carrapatoso, a partir do qual estenderá uma rede de franchising de restaurantes de caracóis, permitindo branquear outras receitas...
Inebriado pelo seu próprio relato, Saihd não reparou que Bauer tinha sacado o corta-unhas de Parménides. Também não reparou que a lâmina do instrumento tinha dilacerado a corda que lhe prendia os pulsos. Nem reparou que Bauer tinha desembainhado a lima das unhas e contraído os músculos, num momento de concentração que antecedeu a tempestade.
Quando reparou, foi tarde.

Foram não mais de 30 segundos, onde parecia que o mundo tinha parado a sua rotação e a vida interrompido o seu curso, à excepção dos rápidos movimentos de Jack Bauer que provavam a razão de Einstein dizer que espaço e tempo eram relativos. Em menos tempo que leva o Ronaldo a trocar de namorada, Jack jogou-se para a frente, rebolando sobre si mesmo e retirando as amarras que seguravam as suas pernas à cadeira. Com o balanço, jogou o assento contra a cara do rufia à sua frente, o qual caiu inanimado de encontro a um tanque de decantação de caracóis, o qual tombou directamente no pavimento vários litros de baba dos animais.
Impulsionando-se como uma mola, Bauer jogou o seu peso para a frente e deslizou sobre a baba como de fizesse body-board, apanhando desprevenido o segundo vigilante, ao cortar-lhe a veia jugular com a lima do corta-unhas ao mesmo tempo que caía sobre Saihd, com o seu punho esquerdo a estabelecer contacto directo com o maxilar direito do marroquino.

Após colocar o seu adversário nos braços de Morfeu, correu a libertar Cátia Vanessa, que fez o mesmo a Parménides.
- Vamos embora, - disse Jack, aproximando-se da janela e inspeccionando o exterior – Sahid tinha a receita no bolso do casaco, já a recuperei e não tarda nada teremos mais companhia.
- Eu não me vou embora sem o meu Bigodes! Ele está ali dentro. - disse a decidida Cátia, apontando para um pequeno gabinete do outro lado do armazém.
Nesse instante, algo no exterior prendeu a atenção de Bauer, e ele soube que teria de agir rápido.
- Ok. Vocês vão buscar o gato, mas despachem-se. Encontra-mo-nos lá fora. - Dito isto, correu para o exterior do armazém.

Cátia e Parménides, que não via tanta acção desde que mudara a última vez a água ao aquário do seu peixinho vermelho, correram entre bidons e caixas para não despertar a atenção dos trabalhadores que se viam ao fundo do armazém. A jovem entrou de rompante no gabinete escuro com cheiro a oregãos e com as paredes cobertas de calendários que fariam corar Parménides, se ele não estivesse ocupado a desembaciar os óculos.
Reavido o felino, que dormitava num sofá velho, os dois saíram do gabinete em passo acelerado, que foi prontamente interrompido por um monhé de ar ameaçador, que lhes cortou a passagem.

domingo, 4 de outubro de 2009

Nature Boy

Nature Boy é uma canção escrita pelo compositor George Aberle, também conhecido por "eden ahbez", e popularizada por Nat King Cole em 1948. Desde então tem conhecido inúmeras versões, quase todas elas marcadas pela sua mensagem singela e inocente: a maior coisa que podemos aprender é apenas amar e ser amado. Eis um magnífico exemplo de como as coisas simples resultam em música.

There was a boy
A very strange enchanted boy
They say he wandered very far, very far
Over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he

And then one day
A magic day he passed my way
And while we spoke of many things
Fools and kings
This he said to me
"The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return"



Nature Boy, Ella Fitzgerald e Joe Pass:



Nature Boy, Karolina Pasierbska:



Nature Boy, James Last e Chuck Findley (trompete):






sábado, 26 de setembro de 2009

Temp(l)o de reflexão

A Tasca do Silva, sempre atenta às necessidades dos seus estimados clientes, decidiu inaugurar um espaço adequado ao dia de hoje, onde o freguês poderá, de uma forma calma e ponderada, meditar mais aprofundadamente sobre a escolha que deverá fazer amanhã.





Sendo este estabelecimento modesto e de dimensões exíguas, não se admirem caso o dito espaço tenha odores menos agradáveis, uma vez que também se destina à clientela que o usa exclusivamente para a defecação. A estes últimos, a gerência desde já agradece o favor de não se enganarem no rolo.

domingo, 13 de setembro de 2009

24 - Operação Moelas (VII)



O sol raiava já pelas altas janelas do armazém quando Parménides acordou, despertando com um travo amargo na boca semelhante àquele que lhe deixava o seu mata-bicho habitual carregado de testosterona – uma malga de Farinha 33.
Deu por si sentado numa cadeira, com as pernas amarradas aos pés desta e as mãos atadas ao encosto, sentindo um volume atrás de si.
- Sr Jack? Sr Jack, está aí?
- O Jack ainda está desmaiado, Parménides.
O jovem teve um aperto no coração, quando percebeu que estava a ouvir a voz de Cátia Vanessa!


* * *

- Meu S. Gregório, isto é terrível, uma tragédia, um drama, - o Silva andava de um lado para o outro do balcão, com as mãos na cabeça – um cataclismo, um drama... ah, não, esta já disse... eu não posso ficar de braços cruzados, eu não posso assistir ao fim da tasca sem nada tentar...
- Porque não experimenta fazer as moelas sem receita? - avançou o inspector Agostinho.
- Porque esta receita, inspector, é mais do que uma receita, é uma herança de família, tem passado de pai para filho desde que foi inventada pelo meu pai, possui fórmulas de delicado equilíbrio de ingredientes demasiado elaboradas para eu as saber de cor.

* * *
- Sim, fui eu que telefonei aos marroquinos para os avisar...- Parménides ouvia a explicação de Cátia Vanessa, igualmente amarrada a uma cadeira junto deles, e recusava-se a acreditar que um dos seus ídolos, a mulher que fazia as divinas pataniscas que o Silva vendia para fora, fosse capaz de tamanha malvadeza para com a tasca - ...tive de o fazer, para proteger aqueles que amo...
- Que história é essa? - perguntou Bauer, entretanto desperto.
- A verdade é que ninguém imagina os lucros fabulosos que o comércio de caracóis traz a quem domina o negócio. Os animais são comprados a € 0,80 o quilo e importados às toneladas para o mercado português, onde chegam às mesas dos cafés a um preço 16 vezes superior. O Sheik Al Mufada controla uma poderosa organização, sr Bauer, tem olhos e ouvidos em toda a parte e domina o mercado com mão de ferro, não admitindo que negócios como o da tasca do Silva lhe façam concorrência nos petiscos com uma receita de moelas.
- Mas o sr. Silva é tão simpático, coitado! - gemeu Parménides.
- Depois da organização ter raptado o Bigodes, o meu gato persa... – disse Cátia com lágrimas nos olhos – Eles ameaçaram capar o meu pobre bichano e não tive outra opção...
- Mesmo correndo o risco de levar o Silva à falência? - perguntou Bauer.
- Eu não podia fazer nada... e não pude suportar o sofrimento do Bigodes. Eu pensava que, no fim, mesmo que eu fosse despedida, poderia ganhar dinheiro alugando o Bigodes para inseminação, ele tem pedigree... Afinal, enganei-me, e agora querem também ver-se livres de mim! Estou tão arrependida...
* * *

Na sede do PITA:
- Tô? Silva? Tá tudo a andar, né? Claro, nem é preciso perguntar, o dr Aníbal faz questão de te cumprimentar em público para as fotos, já viste a publicidade, âhn?! O quê? Se podes servir peixinhos da horta? Mas que raio de conversa é essa, ó Silva?! Isso não pode ser, pah! As moelas têm uma imagem de força política que não se pode desperdiçar!... Agora cá peixinhos da horta... além do nome ser um bocado panilhas, isso remete para horta, não diz nada aos nossos eleitores, aqui ninguém tem hortas. Vamos lá a atinar, ó Silva, que isto não pode falhar, sabes que o dr. Silva quase que ia sendo agredido na última manifestação do 1.º de Maio... quer dizer, não foi bem agredido, mas ainda lhe vieram as lágrimas aos olhos... sim, tá bem, só chorou de um olho... bom, a bem dizer foi apenas um cisco...