sábado, 1 de dezembro de 2007

O desacordo orthographico

Parece que Portugal vai acabar por ratificar em 2007 o acordo ortográfico de 1990, mas para produzir efeitos só em 2017. Esta decisão revela uma abertura de espírito notável e um sentido de responsabilidade verdadeiramente superior. Acho que este exemplo deveria ser aplicado à generalidade dos acordos que fazemos. Vejamos:

Na escola: Setôr, posso ir à casa de banho? Sim, mas só depois de amanhã.
Em casa: Pai, posso sair com o meu namorado? Sim, mas só daqui a 10 anos.
Deste modo toda a gente fica de acordo e deixamos de andar tantas vezes às turras uns com o outros. Ou seja, ficamos todos em paz e harmonia.

Eu só acho que a decisão ainda pecou por defeito. Em minha opinião, o acordo de 1990 deveria ser ratificado apenas em 2056 para produzir efeitos a partir do ano 2180. Nessa altura, por força de dois séculos de consumo de telenovelas brasileiras, á jeintchi em Pórtugau fálárá do meismo jeito qui no Riu di Jánêro e tudo sêrá mais fáciu.

O que mais me espanta neste esforçado propósito de unificar a língua é que há um afã enorme para se alterar a escrita que, apesar das (poucas) diferenças, se compreende perfeitamente, mas respeitam-se religiosamente as (muitas) divergências fonéticas que constituem a principal dificuldade na comunicação entre os vários povos que usam o português. Por que raio é que havemos de andar a mudar a escrita se continuamos a pronunciar de forma diferente a maior parte das palavras?

É falso, portanto, o principal objectivo do acordo. Nenhum português deixa de entender Machado de Assis se o ler em edição brasileira, tal como qualquer brasileiro lerá com facilidade uma novela de Camilo Castelo Branco impressa na ortografia de Portugal. Aos nove anos já eu tinha lido muito Camilo publicado antes de 1910 que a minha avó tinha numa estante. Não me fez mossa alguma, apesar da minha tenra idade. Antes pelo contrário. Fossem esses os grandes problemas da comunicação!

Nada melhor que exemplificar. Camilo, O Esqueleto, início do capítulo IX: O assustadiço amor de pae encarecêra a doença de Beatriz. O perigo de vida fôra uma ligeira hemmorraghia nazal, que não deu tempo a glorificarem-se as sciencias medicas de mais um triumpho.

Temos aqui que em um terço das palavras (em oito) a ortografia foi modificada. E não deu para entender?

Há dias, aqui na tasca, Dona Ricardina exaltada com a peçonha do Zeca Lulu virou-se para ele e amandou-lhe um Olha chupa-me mazé o clitóris! Clitóris? O Zeca estranhou. Não seria clítoris? Ou clitorís... lembrou o Manel Tarote.

Foi uma confusão do caraças. Ou do carassas? Talvez do carago? Ou do caralho? Nestas ocasiões de impasse não há acordo ortográfico que nos valha.

2 Comments:

XN said...

Para mim, isso dos acordos é uma valente treta, sejam eles de qualquer índole, ou alguém me sabe indicar um acordo que tenha sido cumprido pelas partes que o outorgaram?
Se calhar até é uma forma inteligente de se adiar um fiasco que dá trabalhinho e projecção a muita gente.
Eu percebo muito bem o português do Brasileiro e com certeza o contrário também acontecerá (a não ser que - mais uma piada recorrente – se trate de alguém muito burro).
O que me custa ver, é pessoas dos países chamados nossos irmãos a falar e eu não perceber uma única palavra. Isso é que está mal, pois em vez de se gastar dinheiro em acordos, dever-se-ia, isso sim, fomentar o ensino do português (fosse ele com sotaque de Angola, da Guiné, de Moçambique, etc., etc.) por esses países, sob pena de um dia não lhes podermos chamar de irmãos, se calhar nem de primos afastados.
2017? – Nessa altura o português já está morto, assassinado que foi por essa língua universal que está em expansão e que é o “INTERNETÊS”!

Anônimo said...

Pero que a mi me parece que lo futuro es lo español de nuestros muy queridos hermanos