sábado, 27 de junho de 2009

Ressurreição

No final da década de 1880, o compositor Gustav Mahler (1860-1911) encontrava-se dividido entre a música sinfónica abstracta e a música com programa extramusical. Da primeira tendência eram exemplos maiores as obras dos grandes sinfonistas contemporâneos Johannes Brahms (1833-1897) e Anton Bruckner (1824-1896); da segunda salientavam-se os poemas sinfónicos de Franz Liszt (1811-1886) e Richard Strauss (1864-1949), bem como a música essencialmente teatral de Richard Wagner (1813-1883) . A resposta de Mahler foi híbrida — combinou a forma clássica da sinfonia com um inequívoco programa, daí resultando a Sinfonia n.º 2, conhecida por "Ressurreição".

Em 1888, Mahler tinha concluído uma grande obra orquestral num único andamento, a que começou por chamar "Sinfonia em Dó menor" mas depois mudou o nome para "Pompas Fúnebres". Este poema sinfónico, no entanto, acabaria por constituir o primeiro andamento da Segunda Sinfonia, concluída em 1894. Para além de vários indícios, os elementos extramusicais nesta sinfonia decorrem directamente do texto cantado (a obra inclui coro misto, um soprano e um contralto) e de uma "nota de apresentação" escrita em 1901 pelo próprio compositor. Assim, de forma clara, a sinfonia opõe a marcha fúnebre do primeiro andamento à ideia de ressurreição no quinto andamento.

A entrada do coro misto nos últimos minutos da obra dá início a uma das mais emocionantes sequências musicais da História da Música. Diz a "nota de apresentação" a este respeito: Ouve-se então o som suave de um coro de santos e hóspedes celestes: "Levantar-te de novo, sim, levantar-te de novo irás". Depois aparece Deus em toda a sua glória. (...) Um sentimento de amor avassalador imbui-nos da graça de saber e ser.

É sempre empolgante assistir a este final da sinfonia, mas há uma gravação com Leonard Bernstein a dirigir que é verdadeiramente impressionante. O clímax da obra acontece quando o coro canta duas vezes a frase "Sterben werd'ich, um zu leben!" — "Morrerei para poder viver" (no vídeo, a partir de 0:49) e a música encontra, finalmente, a tónica Mi bemol (aos 1:22). A partir daqui a imagem mostra o maestro em grande emoção a cantar os versos finais:

Aufersteh'n, ja aufersteh'n (Ressuscitar, sim, ressuscitar)
wirst du, mein Herz, in einem Nu! (Ressuscitarás, meu coração, num instante!)
Was du geschlagen zu Gott wird es dich tragen! (Aquilo que sofreste levar-te-á a Deus!)

4 Comments:

XN said...

Raisparta que um gajo já não pode dormir em paz!

Acabei de receber agorinha mesmo um telefonema do Jorge Ferreira, completamente histérico, ao ponto de terem saído perdigotos pelo auscultador do meu telemóvel. Diz ele que, passo a citar, “não compreendo como alguém tem a desfaçatez de postar uma coisa relacionada com músicas de outro SÉCULO, logo a seguir a um post em que outro alguém coloca, generosamente, um dos meus maiores êxitos, nomeadamente aquele em que um pai faz tudo para ensinar a sua filha a saber falar português como deve ser … coisa que é capaz de ainda demorar umas décadas!”.

NÃO SE FAZ … JUNTO O MEU PROTESTO AO DELE … FORÇA AÍ JF … E ABAIXO AQUELES QUE QUEREM FAZER DUMA TASCA UM ESPAÇO CULTURAL E SUPOSTAMENTE SOFISTICADO … POR ACASO HÁ ALGUÉM QUE SEJA CAPAZ DE OUVIR UMA NOTA QUE SEJA DO MAHLER, ENQUANTO COME UMA CEBOLA CRUA EM SAL E VINAGRE, ACOMPANHADA POR UMA MALGA DE TINTOL? … TAMOS A BRINCAR? … AIIIIIIIIIIIIIIII … SEGUREM-ME!

EB said...

Xôr XN, confesso que não percebo a crítica feita e o incómodo sentido. Se alguém postou música do século passado (séc. XX) foi o xôr XN. E não uma, mas sim logo duas músicas, carago!

Além disso, acompanhada com caracóis à portuguesa e vinho tinto, dois produtos assaz cógnitos na cultura do nosso povo!

Portantos, quem está a inundar a tasca com produtos culturais tradicionais e vetustos é o xôr, não eu. Olha que porra, hã!

PJ said...

É a todos os títulos notável que um tipo tenha, em 1894, uma visão estratégica de resolução dos problemas profundos e mesmo endémicos, que Portugal vive no dealbar do séc. XXI.

Senhores que neste momento se afadigam a escrever programas eleitorais que depois ninguém irá cumprir, poupem dinheiro em fóruns de debate e angariação de sugestões líricas para o futuro da nação.
Ponham os olhos no que diz Gustav Mahler "Sterben werd'ich, um zu leben!" — "Devo morrer para poder viver"

Esta é profunda, mas até 27 de Setembro têm tempo para a digerir.

XN said...

Hahahahahaha … viva a diversidade (que remédio … o Silva já me ameaçou com o despedimento … mas essa da vetustez ficou-me aqui atravessada … fica aqui o convite para um duelo, sendo que cada um vai utilizar armas dos respectivos séculos … quero ver então quem vai ganhar … aliás, eu vou ser o único que vai conseguir ver)!