domingo, 4 de novembro de 2007

Automóveis e cabos de vassouras

No mesmo dia em que morriam em Lisboa duas pessoas e uma terceira ficava gravemente ferida devido a um atropelamento com automóvel, à Tasca do Silva foi aplicada uma coima por não cumprir normas básicas de segurança e higiene como, por exemplo, ter na cozinha vassouras com cabo de madeira.

No mesmo dia em que foi preso um indivíduo porque plantava uma espécie vegetal considerada por lei estupefaciente, venderam-se legalmente milhões de maços de cigarros feitos com uma planta idêntica. E venderam-se legalmente milhões de litros de bebidas alcoólicas que, como se sabe, drogam, matam e fazem matar inúmeras vidas humanas.

Neste mundo sempre houve contradições, até porque grande parte delas derivam de causas naturais. O que não se compreende é que coexistam dois pesos e doze medidas quando se trata de fazer leis e regulamentos. Qualquer electrodoméstico que fosse responsável pelo mesmo número de mortos e feridos que o automóvel causa anualmente já há muito tempo que teria sido retirado do mercado ou regulamentado de forma muito restritiva o seu uso. A utilização de vassouras com cabo de madeira é infinitamente menos perigosa em termos de saúde pública do que utilizar automóveis. Por isso algo de muito errado está neste mundo em que vivemos quando o poder público, quem legisla e quem fiscaliza dá mais atenção às primeiras do que aos segundos, quando o objectivo a atingir é rigorosamente o mesmo.

A forma como os diversos interesses particulares se sobrepõem, ora pra baixo, ora pra cima, à normalidade do nosso quotidiano é deveras incomodativa. E, nalguns casos, chega a ser obscena. É ridículo este afã de querer controlar até ao mais ínfimo pormenor certas situações, quando mesmo ao lado há milhões de outras que muito mais careceriam de regulamentação e controlo mas aí já ninguém parece interessado em actuar.

A produção regulamentadora, alguma vinda da muito evoluída Comunidade Europeia, chega a ser hilariante quando lida com olhos que não estejam intoxicados com a evolução do contexto regulamentador. Veja-se, por exemplo, o Regulamento (CE) n.º 853/2004, que contém definições de conceitos invulgares como a de carcaça de um animal (corpo de um animal depois do abate e da preparação) ou carne picada (carne desossada que foi picada e que contém menos de 1 % de sal), bem como instruções de procedimentos complexos como este: após a inspecção post mortem, as amígdalas dos bovinos, dos suínos e dos solípedes devem ser retiradas de forma higiénica. Fantástico!!

A grande ânsia em controlar tem o seu reflexo na enorme vontade de punir. Um mero mas significativo exemplo neste domínio encontra-se no Decreto-Lei n.º 113/2006. Para controlar e punir, este decreto atribui competências a nada mais nada menos do que sete entidades públicas, “sem prejuízo das competências especialmente atribuídas por lei a outras entidades”.

Por sua vez, o articulado desta peça legislativa ocupa quatro páginas do Diário da República de 12 de Junho de 2006, sendo que duas são gastas apenas pelo artigo 6.º, que lista as contra-ordenações possíveis. Estas são tantas e tão minuciosamente descritas que precisam ir da alínea a) até à bbb), ou seja, esgotam por duas vezes as 23 letras do alfabeto português. É obra!

Os aceleras das nossas estradas podem, no entanto, ficar descansados. Estes regulamentos aplicam-se apenas a cabos de vassouras.

1 Comment:

Anônimo said...

É mesmo, dassss!!!. A modos que, mas isso já sabemos há muito tempo, a vida não vale nada face a outras coisas.
O mais certo é que assassinos, violadores e pedófilos sejam mais bem vistos do que alguém que não pagou o IVA. Não estou a defender quem não paga o IVA mas estou enjoado do degredo que se está a tornar os crimes, económicos/higiéne/formação/cona da mãe deles/controle de...??? /ISOS/o caralho que os foda/etc, ou seja, tudo onde eles possam ir buscar algum, comparados com aqueles em que se assaltam os mais elementares direitos da vida que aliás, os Países ditos civilizados assinaram.