Ainda punha a biqueira do desbotado sapato na soleira da porta e nem ao nariz me haviam chegado sequer aqueles aromas a tinto e aguardente, tão característicos da tasca, e já ouvia o vozeirão roufenho do Chico Molas: "Ó SSilba, fetche fassa fabor!"
Lá ia também a D. Ricardina, em passo tipo robocock e de sorriso forçado, procurando cativar simpatias para o próximo concurso de Miss Tasca, em direcção ao balcão, e também.... "Ó SSilba, fetche fassa fabor!"
E lá se ouve a máquina de calcular mental do Silva: "0,50 mais 0,35, são 0,85 cêntimos D. Ricardina. "
Isto começou já lá vão umas décadas. Longe também vão esses tempos em que lá na terrinha se colhia o trigo e centeio. A cada início de Verão as aldeias do concelho eram invadidas por grupos de segadores que andavam à procura de ganhar uma "jeira", já que as condições de vida eram particularmente difíceis e as pessoas com menos recursos tinham de agarrar-se aos trabalhos mais árduos.
O Silva, ainda rapaz novo, letrado para a época, 4.º ano feito e a caminho de fazer o 5.º lá no liceu da vila (e não ia parar por ali), dizia-se também que não só gostava da escrita como também das contas. Rapaz do boas vontades, muitas cartas ele escreveu às velhotas da aldeia, para o filho na África, para o irmão do Brasil, etc.!
Um dia, chegou à terra um rancho de segadores. Um deles, rapaz novo, cara vermelha e olhar vivaço, recomendado por uma vizinha, vai ter com o Silva para que lhe escrevesse uma carta à namorada. Claro que o nosso amigo se apressou a dizer que sim! Ai não, ora, ora, carta à namorada!!! Ah, Ah!, o Silva, malandreco, esfrega as mãos... já aguçando a curiosidade quanto às confidências, saudades e sabe-se lá que segredinhos mais o rapaz iria “mandar dizer” à namorada.
Folha de papel na frente, esferográfica apontada à primeira linha. Pode começar, diz ansioso o Silva:
Meu amorzinho...
Sim, continue...
... cá stou, cá m’acho...
Já está. Mais... pede o Silva.
... enquanto por cá andar...
Sim.... mais...
... sou sempre o mesmo.
Já escrevi, continue... o Silva cada vez mais ansioso.
Fetche fassa fabor!
Como? Pergunta o Silva.
Fetche fassa fabor!
Então, não escrevo mais nada, só isto...?
Sim, fetche fassa fabor!
Passaram os anos, o Silva mudou-se aqui para a vila, e nem imaginais a cachola com que ficou quando um dia o Chico Molas apareceu com esta na tasca! Certo é que a moda pegou! Fetche fassa fabor!
E hoje, quando alguém cá na Tasca, depois de servido e se quer ir embora, é normal pedir a conta berrando pró balcão: "Ó SSilba, fetche fassa fabor!"
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