quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O meu intervalo de almoço

Estava um dia triste e cinzento, e o frio enregelava os ossos.
Passei em frente à Tasca do Silva e lá estava ele…o Sr. Honório, outrora um homem digamos que... bem posicionado na profissão, bem vestido. Desses tempos idos apenas lhe restam as meias. Mesmo com um casaco lustroso e umas calças tão coçadas que quase se via a pele, a camisa escondendo um colarinho já gasto pelo tempo, uns sapatos a que o tempo retirou o brilho, mas essas, as meias, eram de um branco alvo e, como não podia deixar de ser, a gravata no seu nó perfeito.
Pois é, a vida dá voltas e voltas e por vezes acaba num nó, tal como o da gravata. E a do Sr. Honório assim ficou de um dia para o outro.

Sempre que ali passo, aí o encontro, mais ou menos à hora de almoço, mão meio escondida meia de fora, olhar meigo, lágrima no canto do olho, sorriso aberto quando lhe deixo a partilha do dia, que logo guarda, meio envergonhado, dizendo que não é para vinho mas sim para a sopa da noite e logo ficamos ali dando duas de conversa durante alguns minutos.
Foi numa destas conversas que o Sr. Honório me contou algumas passagens da sua vida, já meio confusas e que pede ao tempo para apagar.

O Sr. Honório era um distinto guarda-livros lá da terra, numa altura em que o trabalho era reconhecido quer por gestos e palavras mas também financeiramente. O Sr. Honório vivia bem, andava sempre de fato e gravata, era reconhecido quando passava.
Mas a vida dá muitas voltas. A esposa faleceu, os filhos, já com as suas vidas estabelecidas, foram-se esquecendo do pai, que foi ficando para trás.
Apareceu alguém que, a troco de “sábias” palavras, o aconselhou a investir o pouco que ainda lhe restava num tal Fundo de Pensões. Pois é... de um dia para o outro, o nó apertou, a empresa que geria o fundo faliu e o Sr. Honório ficou apenas a viver de uma mísera reforma que mal lhe chega para pagar os medicamentos que tem de tomar diariamente para os pulmões cansados, as pernas trôpegas, os olhos marejados e sobretudo o coração triste de promessas vãs e tanta solidão.

Claro que, ao ouvi-lo, o “filme” passava-me como numa tela em frente aos meus olhos, e pensava para com os meus botões: Meu Deus, este homem que tanto trabalhou e tudo perdeu pela avidez dos homens, não terá direito a um conforto até ao fim da vida junto dos seus pares, partilhando o seu saber e as suas experiências?
Pensei... para já, restam-lhe os poucos minutos diários que passo com ele, na esquina da Tasca do Silva onde ele, sentado numa pequena pedra, fazendo dela um banco improvisado, parece esperar por mim, naquela hora do intervalo de almoço, para comigo partilhar ora um sorriso ora uma lágrima matreira que teima em cair.
Como gostaria de dizer ao Sr. Honório que brevemente ele estaria mais confortável, junto de outros homens e mulheres que deram ou continuam a tudo fazer para que o país que os viu nascer possa crescer em prosperidade e sobretudo honrar os mais idosos reconhecendo a sua dedicação e proporcionando-lhes um fim de vida digno.
Apenas lhe pude dizer que sonhava com isso…
Até sempre, Sr. Honório.

2 Comments:

Pinto Madeira said...

my God.. ainda fiquei mais angustiada do que ja estava com o raio do tempero dos coiratos!!! ai vida, vida... é a maldita sorte!!! imaginemos que o Fundo de Pensões dava lucros astronomicos???? é o risco dos investimentos... é por isso que eu não invisto os 20 euros que consigo ao final do mês fazer pé de meia...

Anônimo said...

Muitos outros senhores Honórios andam por aí, infelizmente e, nós estamos todos a caminho de um dia nos sentarmos numa pedra à espera duma conforto de alguém.