"AH PAI, PAI... SE EU FOSSE ABEL...!"
Se algum dia, ao passarem pela rua da Tasca ou arredores, ouvirem o desabafo em titulo é porque aconteceu injustiça ou abuso merecedor de "reparo".
Muitos que o ouvem - e até muitos que o dizem - não sabem o porquê daquela frase, que perdura nos tempos como forma de aliviar o agravo que se sente ou de apontar e lamentar a ausência de merecido castigo para alguém.
Hoje, ao passar ali na rua, falava-se da horta do Esquim das Cenouras, da ASAE porque multou a Tasca por ainda não ter a funcionar o sistema do autocontrolo denominado HACCP e ainda, principalmente, de uma reunião da paróquia, com direito a “tickets de combustível”, onde teria sido informado, a propósito de uma contagem de fiéis, que era maluco aquele que “não fosse à missa” nesse dia e não comesse a hóstia igual à do celebrante. Não sei bem o que aquilo queria dizer, mas decerto que se tratava de alguma coisa feia ou de alguma injustiça, porque logo ouvi aquele frase: AH PAI, PAI, SE EU FOSSE ABEL! E isto fez-me recordar, com saudade, o Ti Abel e a origem daquela lendária expressão de revolta e sinónimo de injustiça.
Eu conto-vos:
O Ti Abel era um mouro de trabalho. Homem alto e desenvolto, falava depressa tal como também depressa trabalhava a terra e as suas lidas e como, também depressa, fez 10 filhos! 6 rapazes e 4 raparigas. Colocados em fila formavam uma “escadinha” perfeita.
Há sua volta não havia pausas. Até “levantava pó”!
Os tempos eram difíceis. Criar aquele “time” sem faltar pão não era tarefa fácil. Com muitos sacrifícios e trabalho de todos, a comidinha, no seu essencial, nunca faltou.
Difícil e duro, também, era o dia a dia dos miúdos. Logo que, pelo fim da tarde, a escola – sim, ninguém podia faltar à escola até à 4.ª classe – lhes abria a porta, vinham de correr ajudar no trabalho da terra ou no trato dos animais ou, as mais moças, nas lides domésticas e era vê-las, conforme as forças e a idade de cada uma o permitia, de cântaro à cabeça a “acarretar” água da fonte ou de caminho de lavar a roupa no rio, etc..
Eles, sempre em passo apressado, no carro dos “machos” a comandar aceleradamente a viatura, agarrados à rabiça da charrua que mal lhes chegavam ou montados nos “machos”, em pelo, galopes desenfreados, tipo autênticos “índios americanos” no bom estilo farwest!
Disciplina, rigor, trabalho... qual pelotão de cavalaria. E que ninguém se baldasse! Ti Abel era duro na sua justiça, não perdoava.
Germano era um dos filhos, pela idade aí dos “do meio”. Miúdo rebelde, revoltava-se, indignava-se e enervava-se com as injustiças. Gaguejava um pouco, o que lhe dava alguma graça. Pele escura, pés descalços (ai sapatos! Ou pão ou... sapatos!), calças remendadas no rabo, rôtas nos joelhos, alça caída...
Naquele dia o Germano saiu de casa em passo apressado, não se sabe o que lhe aconteceu, mas decerto que foram ordens do ti Abel para alguma tarefa que entendeu “menos apropriada”. Zangado, barafustava alto, ao mesmo tempo que andava olhava lá para cima, para casa, e, sem se poder conter, bradava repetidamente o seu lamento, a sua “ameaça”, num grito de revolta: AH PAI, PAI, SE EU FOSSE ABEL...!!!
Aquele lamento, de falta de força e de falta de poder para inverter a situação, foi ouvido pela vizinhança que o arrecadou, sentidamente, nas suas memórias e ainda hoje, passadas muitas décadas, quando por cá se ouve, por cá consta ou por cá se testemunha alguma injustiça ou se reclama castigo para qualquer abuso ou ofensa, logo alguém alivia o seu agravo, manifesta a sua revolta ou o seu desprezo exclamando:
AH PAI, PAI, SE EU FOSSE ABEL !!!!
Ah pai, pai, se eu fosse Abel!
terça-feira, 23 de outubro de 2007
Áh pai, pai, se eu fosse Abel ...!
Servido por Ze dos Anjos às 16:31
Etiquetas: Filosóficas e bagaceiras
5 Comments:
e quando se vê tanta carga fiscal,tanta taxa para pagar... só me lembra dizer: AH pai, pai, se eu fosse abel!!
... Mas.. mas... o Abel não matou o Caim?!... isso é deveras ameaçador... ai céus! Até meto a rabo entre as pernas e vou sair de fininho, xiça...
Ó Raposinha!!!!
Este Abel não é de tais épocas nem figura de parábolas biblicas!
O Ti Abel era real e homem de "luta" (trabalho), mas luta pela vida, para garante do bem estar da familia mesmo que para tanto obrigasse ao muito esforço, participação e "colaboração" da mesma nessa necessidade, além disso, era homem de bem, os "irmãos" podiam ter a certeza que, se necessário, daria a própria pele por eles!
Esse "Caim" era outro mais antigo!
Ou será que esse "meter o rabo entre as pernas" não fugura outros receios... é que 10 filhos num repente(!!!) e, depois, seres humanos são animais de habitos!! :-))
Boa... Gostei do que li :-)
escrever assim é mesmo uma arte........ :-)
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