domingo, 23 de setembro de 2007

A4 = 210 x 297 x 0,1 mm

Todos nós temos necessidade de nos guiarmos por certezas, baseados na compreensão de tudo o que nos rodeia. Para isso usamos as informações que nos chegam através dos nossos sentidos. E depois temos a capacidade de raciocinar. Outras vezes agimos tendo em conta apenas informações parciais mas que não deixam margem para dúvidas na nossa cabeça. Ou então usamos a intuição, essa capacidade que o ser humano tem de formar conhecimento e opinião sem utilizar o raciocínio.

Contudo, a realidade prega-nos partidas com muita frequência. E o que é mais fantástico é que os mistérios e os absurdos que enganam a nossa mente ou fogem à nossa compreensão podem esconder-se em coisas tão insignificantes como folhas de papel A4 completamente em branco.

Uma folha de papel A4 de 80 g/m2 tem de espessura cerca de 0,1 milímetros. Coloquemos uma destas folhas no chão, subamos para cima dela e saltemos para fora. O salto é, obviamente, de apenas um décimo de milímetro de altura, nada que dê risco para se partir uma perna. Se colocarmos agora uma segunda folha em cima da primeira, nada de novo parece acontecer. O aumento de altura é ridículo e o salto far-se-á sem qualquer risco ou dificuldade.

Pensemos agora que idêntica coisa acontece sempre que adicionamos ao monte mais uma folha. A diferença de altura em relação à anterior é sempre irrelevante. Poderíamos, portanto, concluir que, por mais folhas que se coloquem na pilha, o salto em qualquer momento será sempre fácil e sem consequências, pois com menos uma folha era isso mesmo que acontecia. Sabemos que não é verdade. Mil folhas terão de altura apenas 10 centímetros, mas cem mil folhas totalizarão 10 metros, o que já é altura que baste para para fazer mossa visível. E por aí fora...

Esta é a lei da união das pequenas coisas. Uma gota de água é inofensiva, mas muitas gotas de água juntas podem fazer uma catástrofe. O que escapa à nossa compreensão é que é impossível determinar a partir de que folha ou de que gota o conjunto se torna fatal. Por esse motivo, porque nos parece que "só mais uma" não traz nada de novo, é que insistimos tantas vezes em adiar, em não evitar, em condescender que certas coisas ocorram e o resultado acaba por ser desastroso.

Retomemos a folha A4 inicial com 0,1 milímetros. Imagine que a dobramos ao meio. A folha dobrada passará a ter a espessura de 0,2 milímetros. Imagine agora que dobramos a folha ao meio sucessivas vezes. A folha dobrada ficará cada vez mais pequena e mais grossa. Suponha que a folha é dobrada 16 vezes. De forma intuitiva, sem fazer qualquer conta, quanto acha que poderá medir em espessura a folha assim dobrada? Pense mesmo num número, pois só assim poderá avaliar a sua capacidade para intuir certos fenómenos.

Façamos agora a conta, valores em milímetros:

1.ª dobra = 0,2; 2.ª dobra = 0,4; 3.ª dobra = 0,8;
4.ª dobra = 1,6; 5.ª dobra = 3,2; 6.ª dobra = 6,4;
7.ª dobra = 12,8; 8.ª dobra = 25,6; 9.ª dobra = 51,2;
10.ª dobra = 102,4; 11.ª dobra = 204,8; 12.ª dobra = 409,6;
13.ª dobra = 819,2; 14.ª dobra = 1638,4; 15.ª dobra = 3276,8;
16.ª dobra = 6553,6

A espessura da folha teria 6,5 metros de altura. Se lhe parece muito, confira os cálculos e veja que não há erro. Ou pense no efeito de mais uma dobra. Ela duplicaria a espessura, uma vez mais, pelo que o efeito dessa décima sétima dobra seria colocar a espessura em 13 metros.

Parece ser uma forma fácil de subir ao quinto andar de um prédio pelo lado de fora, numa situação de urgência. Basta ir dobrando uma folha de papel e ir subindo para cima de cada dobra. Na realidade, esta experiência não poder ser realizada, pois o máximo que se conseguirá dobrar uma folha A4 serão sete vezes e ficaremos a pouco mais de um centímetro do chão.

Estes dois exemplos mostram como a nossa mente nem sempre consegue compreender uma parte da realidade ou como a nossa percepção das coisas nem sempre é próxima do real. Para a próxima, não seja tão categórico nas suas apreciações. Dê uma hipótese ao invisível e outra ao absurdo. Vai ver que passará a errar menos vezes.

9 Comments:

JC said...

Um gajo com um cabelo apenas deixa de ser careca? E com dois cabelos? E três?
Quantos cabelos são necessários para que uma pessoa deixe de ser careca?

Invertendo a questão, quando o cabelo começa a cair, a partir de quantos cabelos uma pessoa pode ser considerada careca?

Não sabemos responder a isto, mas sabemos perfeitamente distinguir uma pessoa careca de uma que não o é.

Anônimo said...

Para mim o maior fascínio na tentativa de explicar o raciocício/lógica humana é ver a evolução do mesmo numa criança:

Pegue-se num copo baixo e largo cheio de água e verta-se essa água para um copo alto e fino. A criança, apesar de ter visto a água passar de um copo para o outro, dirá que o copo alto e fino tem mais quantidade de água que o copo baixo e largo.

Anônimo said...

Carecas, para mim, são os que não têm nem um cabelo.

3 Cabelos dá para fazer risco ao lado, 2, risco ao meio e com um, andamos todos despenteados.

Ainda assim, esta do papel 4$ está cheia de mensagens.
Pena que cada um de nós não as aproveite.

Pinto Madeira said...

é... eu prefiro o mil folhas com chocolate...

Anônimo said...

o que eu estava procurando, obrigado

j4v4 said...

muito bom o texto, parabens ao autor!

. said...

vcs tem duenza

Anônimo said...

foi a propósito de uma 'aula' apresentada no 'Bloco de Notas' da Antena 1 sobre estatística que eu aterrei no seu blogue. dizia-se ali que dobrando uma folha A4 cinquenta vezes se poderia atingir a distância do Sol. não é que fui fazer as contas e as partes obtidas me deram o número astronómico de 1.125.899.906.842.614. a partir daqui tive a curiosidade de saber quanto era a distância em kms e pensei que uma folha tivesse para aí cerca de meio milímetro. ainda assim tive dúvidas e achei que talvez tivesse a exagerar na espessura da folha. fui procurar na net a distância do Sol à Terra. era exagero, cerca de quatro vezes mais a distância que obtivera com o tal meio milímetro. e foi por isso que aqui vim parar. e como disse, nem tudo aquilo que temos por certo, é! vivemos muitas vezes no mundo errado da percepção. já agora o texto é muito bem elaborado...

Anônimo said...

já agora, aquelas 50 dobras da folha A4 deram a distância quilométrica de 112.589.990 Quilómetros, mais ou menos a distância que nos separa do Sol...