terça-feira, 18 de setembro de 2007

O exemplo é a melhor ordem

Naquele dia, em vez do acordar ao som da alvorada, Eduardo acordou com o plantão da caserna a sacudir-lhe os ombros, dizendo que o tenente, comandante da companhia lhe queria falar, antes do inicio da instrução.
Eduardo cumpria o serviço militar obrigatório e odiava a guerra. Não desertara mas prometera a si próprio que se o mandassem para a guerra colonial iria para a clandestinidade tal como o seu amigo de infância, o Carlos "Carapau" que de repente desaparecera porque a PIDE/DGS já andava no seu rasto. Eduardo soube já depois de 1974 que o Carlos pertencia ao MRPP.
Calmamente fez a barba, vestiu a farda de instrução e olhou furtivamente para o espelho para uma ultima verificação se tudo estava de acordo com a forma como se deveria apresentar um militar, pois embora não morresse de amores pela instituição respeitava e fazia respeitar os princípios dos que envergavam uma farda das forças armadas.
Avançou pela parada, passo firme e sincopado com um tambor imaginário, em direcção ao gabinete do tenente que estava como sempre de porta aberta e verificou que lá dentro já estavam o seus três camaradas (atenção, não colocar conotações partidárias, é assim o tratamento entre militares) que com ele davam instrução aos quatro pelotões da companhia. Nunca percebeu porque eram aqueles ridículos batimentos com as botas mas faziam parte do "cerimonial da continência" e nos três últimos passos de aproximação à secretário do tenente bateu com o calcanhar da bota enquanto levava a mão direita à testa, ligeiramente acima do sobrolho, dizendo ao mesmo tempo, bom dia senhor tenente.
O tenente retribuiu o cumprimentos e começou a explicar a razão da reunião:
- Tenho em cima da secretária doze participações que informam o corte de fim de semana a recrutas que de uma ou de outra forma desobedeceram a ordens de superiores, nomeadamente vossas. Não entendo é uma coisa e por isso os chamei, para saber a razão porque sendo quatro os pelotões, só tenho queixas de três.
Um a um o tenente questionou cada um dos furriéis quais as razões dos cortes da saída de fim de semana dos seus recrutas e as respostas dos três primeiros foram sempre semelhantes.... ordenei que passasse na vala da merda e recusou (a vala da merda era uma pequena lagoa de água estagnada, que servia como "piscina" ao condomínio de ratos do quartel), ordenei que pagasse uma completa de cinquenta e não completou, ordenei que saltasse do pórtico para o galho a um metro do final e não o fez.... etc.
Quando chegou ao Eduardo o tenente perguntou se os homens dele obedeciam a todas as ordens, pois o facto de não existirem punições era no mínimo estranho.
Eduardo respondeu que não dava ordens aos seus instruendos.
- Como, não dá ordens. Mas se não dá ordens o que é que eles fazem ?
- Senhor tenente, os meus homens fazem tudo o que tem que fazer sempre que estamos em horário de instrução
- Sem ordens? Como pode ser isso?
- Com ordem, senhor tenente.
- Como? então não disse que não dava ordens? Em que ficamos?
- Nisso mesmo senhor tenente. Eu não dou ordens.... apenas dou uma ordem.
- Sim e qual?
- No inicio da instrução, apenas digo aos instruendos "Todos atrás de mim".... ai do filho da mãe que depois de eu entrar na vala da merda se atreva a não o fazer!
O tenente, que até era profissional, percebeu nesse dia que os milicianos tinham novas ideias... se calhar estava ali a semente das novas forças armadas.....

2 Comments:

Secreto said...

Pois este Furriel era ao contrário de tudo o que se vê normalmente que é - "Faz o que eu mando e não o que eu faço"

Anônimo said...

excelente vitor :)