segunda-feira, 24 de setembro de 2007

A porca da política!

Nos últimos tempos tenho recordado amiudadas vezes o Ti Zé do Canto, homem de forte carácter, inteligência rara, perspicácia ímpar, sede e fonte de conhecimentos sem medida.

O saber ouvir, o saber falar e o saber estar, aliados ao seu jeito de homem sem medos, predicados tais que fizeram dele um símbolo e uma referência de coragem, respeito, determinação e sapiência. Não tinha cursos universitários, mas ouvi-lo e partilhar dois dedos de conversa com ele, era um privilégio.

As artes, as letras, a música, a sociedade e a política eram, para o Ti Zé do Canto, assuntos enxergados com largos horizontes, sem medos nem tabus. A leitura dos seus escritos, poesia ou prosa, é marcante e absorvente. As suas marchas populares ainda hoje são lembradas e trauteadas, com saudade, pelos mais velhos.

São também recordadas, e fizeram história cá pela freguesia e concelho, as suas intervenções perante os políticos da época, directas, frontais, tête à tête, que deixavam todos os que o ouviam a tremer, pois em tempos que ninguém podia sequer abrir a boca - "alguém" podia ouvir - ele, ia em frente, sem vacilar nem tremedouras, fosse perante o simples secretário camarário fosse perante o próprio ministro que por ali passasse (e não perdia uma oportunidade!), em vez dos aplausos encomendados e ensaiados, erguia-se apoiado nas suas muletas e, em voz clara que irradiava respeito e convicções, questionava os porquês, exigia respostas!

Incomodava o poder, incomodava os eterna e obrigatoriamente aplaudidos porque, sabia o que dizia - era incontestável -, como dizia - irrepreensível no trato -, quando dizia - no exacto momento - de tal modo que, quando soava a sua voz forte, segura, de muita boa dicção, nada mais se ouvia! Nem pio em redor!

A razão da sua luta, quando até ouvir era proibido, era a comunidade, a sua terra, os seus vizinhos. Não fosse ele grande deficiente motor e certamente os calabouços da PIDE/DGS teriam tido mais um hóspede assíduo.

Recordado porquê?
Tenho-me lembrado, muito especialmente, de uma das muitas visitas que ele fazia cá pela Tasca do Silva, estava ele sentado, como sempre, encostado a uma das suas muletas, rodeado por todos os fregueses, qual tertúlia domingueira - naquele tempo não havia bola nem telenovelas na TV - alguns de olhar medroso (não estivesse por ali algum bufo encoberto, ajuntamentos de mais de 2 pessoas eram proibidos e falar de "certas coisas" também o era), outros de olhar fixo, bocas semi-abertas não perdendo uma palavrinha do que o Ti Zé do Canto dizia.

Presenteava-nos ele com mais uma das suas brilhantes conversas, falava, com ímpar clarividência, de factos e coisas recentes que a todos, directa ou indirectamente, tocavam, de injustiças, de oportunistas, do abuso do poder, das necessidades do povo (não, não era comunista, nada disso!), etc., etc., e, no fim, deixou escapar um desabafo, ou exclamação, tão alto que se ouviu em toda a tasca:
A PORCA DA POLÍTICA!
o tom de voz foi tão profundo, de tamanha convicção, de lamento e de desilusão, tão sofrido, que calou cá bem no fundo da alma de cada um dos fregueses, de tal jeito que, ainda hoje, passados muitos anos, ouço de vez em quando aquela voz forte, aquele desabafo de encher a alma e doer o coração:
A PORCA DA POLÍTICA!

PS:
Sim, há coisas que são intemporais!

3 Comments:

Anônimo said...

sem palavras....

Pinto Madeira said...

é... a culpa é da porca da politica... nã...eu acho que a culpa é mesmo do politico porco!!!

Anônimo said...

Pois eu prefiro referir-me aos ditos como algo pegajoso que queremos arrancar da pele e que até a aproximação nos causa nauseas, sim porque o porco e a porca não teem culpa de terem sido criados na estrumeira.
E é como dizes Ze: ...há coisas intemporais...